22/02/2011

Persistência

Os números da execução orçamental parecem positivos, ainda que tenham sido conseguidos mais do lado da receita do que da despesa. Era o caminho mais fácil.

Contudo, os juros da dívida mantêm-se em alta. Os fatídicos mercados não acalmam.

Campos e Cunha, em entrevista ao Diário Económico, defende que o problema é de credibilidade do governo e do primeiro-ministro. E provavelmente tem razão. Mas podia acrescentar que é provável que exista, igualmente, um problema de especulação em relação ao euro, instrumentalizando os países mais frágeis.

O pior sinal que podíamos ter era o da oferta de dívida ficar deserta, como aconteceu recentemente com a Refer. Os investidores simplesmente não procuraram esta oferta. E isso é que é deveras preocupante.

A persistência do governo no discurso da negação deixar-nos-á uma factura muito maior que as diversas dívidas contraídas a juros incomportáveis. Levar-nos-á a uma situação não apenas de agonia financeira, mas de completa destruição social, empenhando possivelmente mais de uma geração.

17/02/2011

Desemprego

Já nos habituámos. Quando o INE publica as estatísticas do emprego, o Governo riposta com os números dos inscritos nos Centros de Emprego. Estes últimos, bem lidos e analisados, serão sempre desfavoráveis – tanto ou mais que os do INE. Mas, apregoados aos jornais parecem excelentes.

O número de inscritos nos centros de emprego diminui por várias razões: desempregados de longa duração que deixam cair o vínculo; gente à procura de primeiro emprego que não se dá ao trabalho de fazer o registo porque o sabe inútil; malta que vai compulsivamente para formações do arco da velha e por isso sai temporariamente da estatística; pessoas que deixam de se apresentar porque já nem dinheiro têm para as deslocações; gente que não tendo emprego passa à fase biscates e perde direito ao registo.

Aquele senhor secretário de estado, bem como a ministra ex-sindicalista, deviam ter vergonha de dizer o que dizem sobre o emprego. Que é não apenas o nosso maior mal social, como um dos problemas sobre os quais o governo perdeu, definitivamente, o controlo. Apesar de no ministério existirem muitos meninos da confiança pessoal e política do partido, para os quais não houve austeridade. Houve só carros novos e promoções.

Número de eleitor

O Governo decidiu o óbvio: acabar com o número de eleitor. Já antes aqui me perguntei porque não foi esta medida tomada a partir do momento em que se adoptou o Cartão do Cidadão, como me parece que era premissa obrigatória.

Agora existem algumas variáveis que devem ser levadas com consideração. Nomeadamente a da organização dos cadernos eleitorais com base no número de identificação civil, o que deve ser conjugado com a áreas de residência dos eleitores.

Não existe uma Agência de Modernização Administrativa (AMA)? E por que raio é que a AMA não tratou disto a tempo e horas, como era suposto, quando o Cartão do Cidadão foi um dos seus projectos mais emblemáticos? É provável que a AMA não passe de uma agência de comunicação do governo e de marketing político. E é pena. Porque a reforma da administração pública, bem como a sua modernização, estão por fazer. Os contributos da AMA pouco têm ido além dos sistemas de informação. A modernização administrativa é muito mais que isso.

16/02/2011

Sinais

O desemprego sobe para 11,1%. Mais de metade dos 619 mil desempregados são desempregados de longa duração. No último trimestre de 2010, período a que se referem os números do INE, perderam-se cerca de 55 mil postos de trabalho, afectando sobretudo mulheres e pessoas qualificadas.

O que conta são os dados do INE. O governo escusa de ripostar com os do IEFP, que ninguém percebe para que servem.

O governador do Banco de Portugal diz que estamos em recessão.

Será que a legião socrática e as duas centenas de deputados não percebem que o país se afunda de dia para dia?

15/02/2011

Profissão: autarca

A limitação de mandatos faz sentido, é um contributo para a transparência e garante de um dos mais elementares princípios republicanos. Contudo, é lamentável que no caso dos autarcas apenas se aplique os presidentes e não aos vereadores. E é pena que não contemple a impossibilidade de um autarca com 12 ou mais anos de mandato se poder candidatar num concelho próximo ou distante.

Ou seja, esta lei pouco ou nada faz contra o caciquismo. E pouco ou nada faz porque os que hoje estavam a caudilhar aqui vão caudilhar para ali. Tipo batalhão que se move de uma para outra frente.

É lamentável que os titulares de cargos políticos, sobretudo os autarcas, os entendam como uma profissão. No fundo é uma profissão, porque muitos deles pouco ou nada fizeram na vida além de trabalhar nas máquinas partidárias ou para os pequenos clientelismos, gozando e dispondo dos inúmeros lugares distribuídos na administração pública. Se não se podem candidatar aqui outra vez ficam sem emprego, pelo que têm de se posicionar para outros voos, que lhes mantenham um rendimento aceitável e possibilitem afago ao insuflado ego.

Existem muitos autarcas, presidentes no caso, que não se podem candidatar em 2013. Uma leitura superficial desta realidade mostra que anda aí muita gente que se oferece e posiciona as suas armas para outros municípios. Quando os municípios são contíguos é muito fácil manter as tropas alinhadas: os construtores, os boys políticos, o clientelismo local. Caudilha-se na mesma, mas muda-se o quartel.

Banalização do ensino, mercantilização de diplomas

Existem sinais muito preocupantes sobre o que se pretende do futuro. E o que se passa na educação, em geral, e no ensino superior, em particular, são disso exemplo.

Sem fundamentalismos, tenho dúvidas acerca de programas como o novas oportunidades. Concordo com o princípio de valorizar a experiência de vida. Discordo com o método e, sobretudo, com a certificação por atacado, com os objectivos impostos aos formadores e com algum facilitismo, generalizado. Na escola também se banalizou o aligeiramento, como se os meninos fossem menos capazes.

No superior passa-se o mesmo. Banalizaram-se os mestrados e caminhamos a passos largos para banalizar os doutoramentos. O que é, antes de mais, atentatório da dignidade das instituições universitárias. Formar mestres e doutores é criar valor, é dar ao país massa crítica e apostar na investigação. Fazê-lo, como se começa a fazer, por validação de créditos, com base no currículo, é insultuoso. E não compreendo como é que aqueles que fizerem uma vida académica empenhada o permitem sem ripostar.

Ninguém deve ser excluído do ensino superior por falta de condições económicas. Mas o ensino superior não é para todos. Não pode ser para todos. Existe uma diferença entre democratização e banalização do sistema.

Criar uma espécie de novas oportunidades no superior é decretar a morte científica das universidades, que não deviam propriamente tornar-se em grossistas, mercantilizando os diplomas como de bolas de berlim se tratassem.

14/02/2011

Camaradagem

Só quem tem cães, cães de casa, tratados com uma dedicação familiar, é que percebe. Os outros, por mais que gostem de animais, não entendem.

Só tinha visto uma vez o “Marley e Eu”. E tinha lido o livro. Ambas as experiências foram traumatizantes.

Este fim-de-semana voltei a ver parte do filme. Parte, porque quando chega à altura de o Marley envelhecer não me posso permitir mais.

Por mais espalhafatoso que seja o meu cão, por mais que me faça passar vergonhas em público, que me pregue partidas odiosas – como fugir ou esfregar-se em dejectos de animais de grade porte – é o meu cão. E temos como ele uma relação de companheirismo e camaradagem que nos impede de fazer férias, fins-de-semana, saídas nocturnas demoradas e muitas outras coisas simples.

Existe entre nós uma relação de ternura muito grande. A ideia de um dia ele já não saltar, não ter a irreverência que lhe conheço ou de sofrer de uma doença incapacitante é assustadora.

Por isso, não volto a ver ou a ler o Marley.