07/12/2010

Democracia de supermercado

A democracia sai cara a alguns. Aparentemente. Ou então é um investimento sem risco, de retorno garantido.

Já tínhamos visto que no PSD era assim, agora no PS. Os partidos são fundamentais à democracia, repete toda a gente, mas a verdade é que se servem dela de uma forma condenável e criminal.

A não perder na Sábado desta semana.

Trombones

A ideia de Rui Pedro Soares e Emídio Rangel abrirem um semanário em Portugal, argumentando que existe espaço para um jornal de centro-esquerda… o primeiro é aquilo que é, o segundo no estripa-se e esfrangalha-se, na RTPN, para defender o Governo, ao nível dos melhores boys….

Estamos cada vez mais próximos do terceiro mundismo. E merecemos!

06/12/2010

Municípios II

A questão das Freguesias é, ainda, mais complexa. Julgo que estas não fazem sentido em Municípios de baixa densidade populacional e com menos de 100 mil habitantes. É um palpite pessoal, mas existem bons teóricos da ciência regional para estudarem esta realidade. As Freguesias são uma aberração.

Depois, neste contexto há que avaliar a questão pelo lado da receita e da despesa. Só faz sentido que existam Freguesias se estas forem sustentáveis – o que não acontece na maioria dos casos.

Outro aspecto essencial neste processo diz respeito às Finanças Locais. Os Municípios com maior dependência de transferência do orçamento de Estado têm de fazer um caminho de autonomia. Nem que seja o de se fundirem com outros, com proveitos de escala.

A transparência dos Municípios é essencial, pelo que há que rever, seriamente: lei eleitoral autárquica (executivos monocolores e mais pequenos e assembleias municipais alargadas e com poderes efectivos); Lei das Finanças Locais que deve aplicar sanções aos incumpridores; mecanismos de maior e efectiva transparência da governação local; melhor regulação e supervisão do sector empresarial local, hoje muito difícil de controlar; uma política de recursos humanos que vise a transparência e a qualificação; revisão do regime de limitação de mandatos que está muito aquém do desejável – os vereadores podem eternizar-se no poder, quando os presidentes têm um limite de três mandatos.

Municípios I

O secretário Estado da Administração Local coloca na agenda o dimensionamento dos Municípios e Freguesias – número e dimensão.

É pertinente. Aliás, é uma questão que já se devia ter colocado. Contudo, o relacionamento da agenda com o despovoamento do Interior é perigoso. A avaliação do mapa autárquico deve pontuar-se por critérios isentos e que não contribuam para a desertificação do Interior. Pelo contrário, deve contribuir para um maior equilíbrio e coesão nacionais.

Mais: a esta avaliação não deve ser alheia a agenda da regionalização ou da criação de estruturas intermédias de Governo (sejam elas o que forem). Nada pior que uma reforma que se faça por medidas avulsas e sem considerar o todo.

Sugeria, desde logo, que essa avaliação tome em consideração dois aspectos: o nível de governação NUT III – recentemente revisto; a necessidade de haver ganhos de escala às diversas escalas – é importante ter, no Interior, Municípios com mais de 10 mil habitantes, mas nas zonas mais povoadas também existem ganhos de escala para agregados superiores, por exemplo, a 100 ou 120 mil habitantes.

02/12/2010

Competitividade

O Jornal de Negócios escreve hoje que Portugal é o País da UE a 27 que mais vai baixar os custos salariais. A queda real é de 3,5%, o que tem um forte impacto nos custos das empresas com o trabalho, repercutindo-se na competitividade. Se a isto juntarmos a inflação, escreve o jornal, a diminuição do poder de compra dos portugueses é de 2,2%.

Recorrendo, novamente, ao ensaio sobre Economia Portuguesa do Prof. Luciano Amaral (edição FMMS), este é, efectivamente e por muito que nos custe, um dos caminhos para recolocar a competitividade do País. A flexibilização do mercado de trabalho não teria este impacto, porque feliz ou infelizmente essa flexibilização existe recorrendo a expedientes mais ou menos ortodoxos.

30/11/2010

Notas do dia

1. A execução do QREN, a nível europeu, não passou dos 10%, quando o período de programação é 2007-2013 e, portanto, já vamos para lá de metade do seu curso. Prova de que as economias estão frias, que não há liquidez para as comparticipações nacionais e de que de nada vale haver incentivos ao investimento se a economia estiver moribunda.

2. Quando as parcerias público-privadas se revelam um desastre financeiro nacional – o que só acontece em Portugal, noutros países são um grande sucesso e não buracos sem fundo – o Governo, que pondera congelar novas parcerias, faz o quê? Prepara a abertura de uma empresa estatal para gerir as (más) parcerias que fez e as que planeia fazer. Estas parcerias são assim em Portugal porque o Estado negoceia mal e porque a promiscuidade entre os grupos económicos e S. Bento é uma fonte de subsistência para alguns senhores. Esta gente devia perder uma noite a ler o livro que Carlos Moreno lançou recentemente sobre o tema.

3. O risco da dívida continua a subir. E o Citigroup junta-se às vozes que nos dão como insolventes. Será que ainda passamos um Natal descansados, ou as mensagens nas televisões trarão um novo pacote de austeridade com a chancela FMI?

Não escolha

Cavaco tem com ele os que dele disseram mal. Os que lhe chamaram ditador, os que o acharam autoritário, os que desconfiaram das suas políticas, os que o seu partido quis aniquilar.

Preside à sua comissão de honra de Cavaco o homem que Sá Carneiro se preparava para liquidar, o homem contra o qual lutou nos últimos meses da sua vida.

Manuel Alegre tem o PS a custo, com alguns históricos a tentar passar entre os pingos de chuva, despercebidos, quase invisíveis. Diz-se que perdeu apoios em relação a 2006. Aos que por lá andam, falta-lhes convicção.

Cada um escolhe o candidato que acha menos mau, numas eleições que são pessoais, onde em vez do seguidismo partidário deveria haver entrega apaixonada.

Esta pré-campanha é o retrato de democracia portuguesa, minada pelas manobras partidárias. Estas presidenciais parecem, neste momento, umas eleições moles e invertebradas.

28/11/2010

Flexível até quebrar

Há tempo que se insiste na ideia de inflexibilidade do mercado de trabalho nacional. Duas sugestões a respeito: o magnífico ensaio de Luciano Amaral sobre Economia Portuguesa, publicado pela FMMS, que sobre este tema é claro; a Visão desta semana traz um artigo interessante e compara 10 países.

Poucos, mas relevantes, factos: temos um salário mínimo baixíssimo (e ainda assim o nível salarial português, face à produtividade, é um problema); o prazo máximo de contrato a termo em Portugal é largo – 36 meses; pode-se despedir por extinção do posto de trabalho, justificação que dá para tudo; o nosso índice de rigidez das leis laborais é inferior ao de Espanha e próximo do de França – dados da OCDE.

Mesmo convivendo com esta alegada rigidez, Portugal tem um nível de precariedade muito superior à média europeia, o que se refere, em grande parte, a recibos verdes e falsos recibos verdes.

Ainda assim, a Corticeira Amorim, em 2009, despediu 195 trabalhadores, explicando que se tratava de uma medida preventiva em relação à crise global. Nesse ano teve mais de 2 milhões de lucro. Menos 8 milhões que em 2008, mas teve lucro. Significa isto, que a rigidez é um mito.

O problema da economia está na produtividade e, consequentemente, na sua capacidade competitiva. O que tem mais que ver com os empresário que com os trabalhadores. Alguém escreveu por este dias que temos de por os olhos na Autoeuropa: os nossos trabalhadores são bons em qualquer lado, menos em Portugal, onde apenas o são se geridos por estrangeiros.

Só mais uma nota: o conceito de empresa implica risco e os nossos empresários são avessos ao risco, o que em grande parte é culpa do Estado que permitiu que se vivesse à sua sombra e à custa de apoios e subsídios.

27/11/2010

Não há aviões em Beja

O Tribunal de Contas revela que o Aeroporto de Beja é um flop ainda antes de ser realmente um aeroporto. O que é de estranhar é que o TC estranhe que isto aconteça.

O Aeroporto de Beja, sendo a reconversão legítima de uma infra-estrutura que ficaria ao abandono, na realidade não tem absolutamente nenhuma utilidade e resultou do espírito expansionista dos pequenos regionalistas (que por sua vez imitam o Estado), que na sua tacanhez saloia acreditam que o futuro do Alentejo se encontra, exclusivamente, no turismo (que aparecerá em massa, numa enchente desenfreada), que podemos competir com Espanha e que a existência de infra-estruturas é o motor do desenvolvimento. Tanto não competimos com Espanha, que na agricultura alentejana eles nos ludibriam todos os dias, alugando propriedades apenas para usar as quotas de produção, ou seja, nem as cultivam.

Vamos por partes: existe um aeroporto em Faro, o Aeroporto da Ota passou para Alcochete e tanto Faro como Alcochete não são distantes de Beja (à escala aeroportuária). A juntar ao facto de que Beja tem más acessibilidades e uma fraquíssima rede de transportes: a A2 fica a uns bons quilómetros, o comboio é pré-histórico e de conexões fracas e o transporte colectivo rodoviário é mau e é uma opção pouco frequente para quem chega de avião. O número de turistas que virão para Alqueva não justifica um aeroporto e o Litoral Alentejano tem muito melhores acessibilidade a Alcochete ou Lisboa que a Beja.

Depois juntou-se o patético argumento da imprescindibilidade do aeroporto de Beja para o desenvolvimento do porto de Sines. Juntou-se a martelo, porque os arautos regionais estão convencidos que Beja esgotará a capacidade em voos turísticos. O transporte de mercadorias por avião só se efectua em último recurso, é caro e apenas pode crescer se o preço dos combustíveis baixar drasticamente. Por outro lado, as mercadorias de Sines têm de chegar à plataforma logística do Poceirão, pelo que ir a Beja só para justificar o aeroporto será um erro tremendo, com impactos sérios nos custos das obras da ferrovia. A juntar a isto há um imperativo: o porto de Sines só é competitivo se as mercadorias chegaram a Madrid em menos de 9 horas, o que só é possível de comboio e por uma linha a mais directa possível, passando no Poceirão, onde se encontra a plataforma logística.

Existem vários planos de ordenamento e de estratégia, europeus, ibéricos e nacionais onde esta ligação Sines-Madrid, por ferrovia, está contemplada, sendo o avião sempre subsidiário dessa opção. Também aqui o regionalismo bacoco tem desempenhado um papel importante, sendo, inclusivamente, responsável pelo congelamento, em 2009, do arranque o projecto ferroviário Sines-Madrid, que os autarcas e o Governo aprovaram no Plano Regional de Ordenamento do Território, mas que veio a ser contestando por argumentos de ordem municipal, em grave prejuízo do interesse nacional. O porto de Sines tem três significados: exportação, emprego (numa região deprimida), crescimento económico (regional e nacional). Para que isso se cumpra estão documentadas, técnica e politicamente, as necessidades. Adiar é adiar a competitividade. Ainda o ano passado, uma fábrica de automóveis declinou a instalação em Sines dada a ausência da linha ferroviária para Madrid. Menos investimento, menos exportações, menos emprego. E a movimentação de carga contentorizada tem um crescimento limitado à escala da capacidade de escoamento de Sines.

O aeroporto de Beja é a prova de que temos uma tendência expansionista que tem vindo a comprometer o futuro do País. Beja não passaria a ser um mega centro de negócios só porque tem um aeroporto. Não choveriam empresas ansiosas por estar pertinho dos aviões. O aeroporto é que poderia vir dar resposta a essas realidades, caso estas revelassem crescimento sustentado.

E isto é a prova de que a regionalização pode ser catastrófica em Portugal. Os interesses individuais, a ilusão e irresponsabilidade das lideranças políticas arrastam o Pais para uma situação extrema. Multiplicar as más lideranças é o mesmo que multiplicar aeroportos pelo número de regiões, de distritos e se nos descuidamos de concelhos.

11/09/2010

“Mentes Pinto?”

Passaram anos em que pensei que o trabalho do Fausto sobre os Descobrimentos dava um espectáculo fenomenal para explicar aos miúdos esse trecho fulcral da portugalidade. Uma peça baseada na Peregrinação e as canções do Fausto.

Encontrei isto e entendi que a minha ideia, afinal, não era original. Arrepio-me todo por todo o tempo, mas este trecho e a entrada da música acabam comigo.

«Assim é. Assim é. Assim foi outrora. Assim é hoje. Vejam: depois de 21 anos de vida e trabalhos, tão estrangeiro na minha terra como nas mais remotas paragens, muitas verdades me calam. Muitas verdades me calam. As mais durais. E às que ouso afirmar, me perguntam: Mentes Pinto? Mentes Pinto? Ãh, se minto?».

07/09/2010

Soberania

A ideia de a União Europeia passar a apreciar as propostas orçamentais de cada País, antes de estas serem submetidas aos respectivos parlamentos, pode ser polémica.

Em súmula, diria apenas que perder soberania é entregar os País aos credores. A melhor solução é, sem dúvida, resolver o problema na origem, sendo esta o mau governo.

06/09/2010

Exaustão

Há limites. Há coisas que quando se prolongam além do razoável passam de factos claros e evidentes a pesadelos.

Hoje conheço uma realidade que ignorava há cinco anos. Conheço porque estou dentro. Não por contacto, não pelos jornais ou pela descrição. Estou dentro, sou actor, faço parte. E já passei a fase de incredulidade.

A imagem pública de uma sujeito público é muito mais que uma ilusão. Conhecer por dentro o modus operandi de determinados indivíduos, impolutos e venerados, dá-nos uma dimensão nova da vida – distorce o bem e o mal e dá-nos a certeza, se dúvidas houvessem, da sua existência.

E percebe-se melhor porque chegámos aqui, porque somos medíocres e estacionámos na cauda da Europa.

A questão

O PSD padece de um mal, que é o de nunca se entender por dentro, dificultando que por fora seja entendido. O artigo de Manuela Ferreira Leite, no Expresso desta semana, sendo endereçado ao Governo, na realidade é um recado para dentro, ou seja, para Passos Coelho.

É verdade que a estória das deduções fiscais pode ser uma gota de água num copo a transbordar (de vazio), mas tem sido o PSD a impor a questão como determinante.

A Dra Ferreira Leite remata assim: “Não vale a pena procurar balas de borracha enquanto se prepara a bomba atómica que, mais dia, menos dia, nos irá explodir em cima”.

Depois das últimas declarações de Cavaco, que manifesta interesse num entendimento que permita orçamento sem sobressaltos, este artigo de Ferreira Leite é um eco incendiário que une dividindo.

01/09/2010

Dúvida

Sócrates inaugura creches e garante que é um incentivo à natalidade.
Sócrates fecha escolas básicas.
Depois das creches, faz-se o quê aos putos?
Nada. Aos 18 anos podem fazer as Novas Oportunidades.

27/08/2010

Inaceitável

A história dos pagamentos aos presidentes de juntas de freguesia já estava marcada pela insanidade de Teixeira dos Santos.

Esta situação é inaceitável. Gostava de ver o que acontecia se em vez de serem os presidentes das juntas fossem os das câmaras municipais. Mas parece que existem eleitos de primeira e de segunda.

Pessoalmente acho a existência de juntas de freguesia uma aberração da nossa hierarquia institucional, mas existem e como tal têm de ser tratados de forma conveniente.

26/08/2010

Inquietação

Regressei de férias há mais ou menos duas semanas. A Inquietação, José Mário Branco, não me deixa.

30/07/2010

Tanta coisa

E isto?
Ou isto?
Isto?
Caetano e Chico.
E aqui?
?
Cília?
E aqui, Coimbra?
Esta é das mais comoventes.
Entrevistei, uma vez, este gajo. Fascinante! Um delírio.
Ui.
Guitarra, voz.

Sim, alguns sons são maus. Pouco me importa. Estou de férias. Mais um gin tónico, sff!

Há aqui qualquer coisa

Gordo. Enorme. A voz firme, absoluta. Cada verso, cada, cada gesto é inundado de ternura e raiva e paz e eternidade.

Existem afinidades indefiníveis. Música que tem gente dentro, gente que tem o mundo dentro, momentos que nos têm a nós dentro. Não posso viver sem isto, não posso viver com isto. Porque isto é parte de mim e é a minha inquietação.

Gordo, de ternura. Enorme. A voz é infinita. Poder ouvir Pedro Barroso é um privilégio que agradeço sempre. Há aqui qualquer coisa que não consigo explicar.

28/07/2010

Notas sobre as presidenciais

1- Defensor Moura, deputado do PS e ex-autarca de Viana do Castelo, apresenta-se hoje na corrida a Belém, alegadamente para complementar a candidatura de Manuel Alegre e obrigar o Prof. Cavaco à segunda volta. Iniciou-se como deputado na AR em 1986, pelo PRD. É extraordinária a força anímica dos ex-PRD e a sua capacidade de furar na vida política. Não há dúvidas de que foi uma escola.

2- Manuel Alegre vai sendo bombardeado com as questões da sua vida militar. Não percebo o problema de se ter sido desertor e a ideia de traição à pátria se a consciência nos ditar que uma determinada guerra é injusta ou sem fundamento. Parece que não, mas se tivesse sido? Na questão da guerra colonial, se tivesse vivido naquele tempo, seria desertor – se tivesse coragem para isso, sendo que julgo que seria necessária tanta coragem para desertar como combater. Como, por princípio, sou antimilitarista e sinto uma aversão natural às coisas militares – e até algum desprezo. Podia depender das circunstâncias e das causas, mas se hoje fosse mobilizado para uma guerra o mais provável era achar a guerra em si um meio sem sentido. Das duas uma: ou seria desertor ou objector de consciência. Chamem-me nomes.

21/07/2010

Freeport: Mais interrogações

Independentemente de tudo o resto, esta notícia deixa uma série de dúvidas e de factos ou alegados factos mal explicados.

Por que raio o seu gabinete participou nas campanhas socialistas de Alcochete, Barreiro, Grândola, Santiago do Cacém e Moita? Existe alguma ligação entre esse facto e o caso Freeport? Não está claro.

Aliás, ficam por explicar uma série de suspeições implícitas. Aguardo desenvolvimentos deste trabalho no DN…

Antes da sealy season

O Verão é, por norma, uma época morta para o jornalismo. Contudo, este ano podemos passar pela sealy season sem que ela se manifeste. Pelo menos, se Passos Coelho mantiver a gasada, obrigando o Governo e o PS a uma marcha compassada.

Nos últimos dias temos boas e más notícias. E episódios, habituais na sealy season mas que fora de tempo podem ser ora divertidos ora patéticos.

Nas boas notícias, temos isto. Um investimento eventualmente estruturante, que pode vir a ser um cluster, no Alentejo onde na maioria das ocasiões tudo parece perdido, esquecido, de ninguém.

Nas más notícias temos todas as secções de política e economia de qualquer diário, semanário ou online. Nem vale a pena ir por aí.

Para já, a sealy season abre com um episódio delicioso, mas que passou algo despercebido. Vi em directo e fiquei petrificado. Primeiro, pensei que isto chegava a vias de facto, o que sendo triste dava um inesquecível episódio de Verão. Ler aqui e ver aqui.

14/07/2010

Isaltino

A semana passada Vasco Pulido Valente escrevia uma crónica em que contava como perdeu cinco anos da sua vida num processo que lhe moveram por difamação.

Desde 2003 que a justiça anda às voltas com o Caso Isaltino. Desde 2003 que Isaltino se tornou num cromo português. Marques Mendes precipitou uma medida de exclusão dos arguidos em processos judiciais das listas de candidatos às autárquicas, muito por causa de Isaltino, que simbolizou a moral da história. Ainda assim ganhou Oeiras.

Passados 7 anos continua a saga. E isto presta-se a que no dia em que sai o acórdão do recurso à Relação, Isaltino Morais se passeie ao lado do Presidente da República no roteiro presidencial das comunidades locais inovadoras.

Das duas uma: ou é culpado ou não é. Se é tem de ser punido. Se não é tem de ser compensado. Não pode haver nem meia justiça nem meia impunidade. Nem subsistir a dúvida.

Ideias II

Falei há pouco tempo do livro de Pedro Passos Coelho. E sublinhei que uma coisa é defender um programa, outra é a capacidade d o implementar.

Acontece que Passos Coelho faz essa mesma ressalva no último capítulo do livro. E isso, sendo legítimo, desiludiu-me, porque é como quem diz: defendo isto, mas sei que posso não chegar a tanto. É uma declaração de fragilidade antecipada.

12/07/2010

Alentejo

Este ano houve dias em que o calor apertou. Um calor sufocante. Um calor que só faz no Alentejo. Mais de 40 graus. 41, 42.

Por esses dias, as televisões correm a ver se sobrevivem as gentes do Alentejo. Uma das reportagens foi ao campo. Um grupo de mulheres – que se rancho – fazia a apanha não sei bem de quê. Cada dia, uma delas encarrega-se da função de aguadeira, ficando responsável por transportar a infusa de água fresca às restantes. Ironicamente, é a aguadeira que passa mais sede.

Estas mulheres estão ali, provavelmente, desde as 6 da manhã. Largam às 5 horas. Ganham mal para esforço físico a que estão sujeitas. Cantam e entoam modas campos fora, como há 40 ou 50 anos. E parecem-me conformadas. Alegres.

Cada um de nós, na sua rotina, no seu dia, debaixo do ar condicionado, olhos postos no computador, não faz a mais pequena ideia que existem por esses campos homens e mulheres à chapa do sol, a sofrer os mais de 40 graus. Não faz ideia que não têm uma garrafa de água ao lado, que comem por ali, debaixo de uma sombra. A imagem do Alentejo do Estado Novo, cheio de gentes no campo, esmoreceu, mas não se esgotou.

Por incrível que pareça, aqueles tomates, os pimentos, as batatas não nascem refrigerados nas prateleiras dos supermercados.

No fim de contas, sinto-me culpado, porque o gesto tão simples de encher um saco de tomates e pagá-los na caixa não é por mim valorizado como devia. Houve alguém que sofreu para eu poder fazer a salada.

09/07/2010

Paciência!

Tenho um problema social. Não tenho paciência para falar com pessoas que não me interessam. Não posso escolher os colegas de trabalho nem as pessoas com que me cruzo ocasionalmente. As idas ao supermercado tornaram-se numa fuga entre corredores.

Descobri, também, que a intervenção cívica, em associações e coisas do género, são um pesadelo. O pessoal reúne por tudo e por nada, e aquilo que se resolvia em 15 minutos arrasta-se por mais de uma hora porque este gente fala de tudo e de nada. Coisas sem interesse nenhum.

E eu não tenho paciência para isto!

Em boa hora

Em boa hora voltou a Pensão.

07/07/2010

Ideias

Estou a ler o livro de Pedro Passos Coelho. O que me aguça, ainda mais, a curiosidade. Existem ideias, algumas muito precisas, quer sobre o diagnóstico quer sobre os principais caminhos a trilhar.

Sobretudo, assinalo uma novidade na política portuguesa. Ao contrário do Sócrates 2009, que não passou de uma operação de marketing estéril, existe uma diversidade de fontes abrangente sobre o pensamento desta direcção do PSD.

Isso é bom. É esclarecedor. Claro que, uma vez no poder, a execução pode sempre ser muito diversa da teoria. Mas, pelo menos, sabemos o que pensa o próximo primeiro-ministro. E podemos organizar ideias e formas de intervenção.

Sublinho a clareza de ideias sobre o posicionamento do Estado. Não concordando com algumas questões de princípio, acho muitíssimo importante a reflexão e o debate. Sem hipocrisia e sem tabus.

É irremediável: Passos Coelho deu um passo em frente e está a contribuir para elevar a qualidade da Democracia. A ver vamos se no poder não inverte a marcha.

02/07/2010

Desemprego

Os dados do Eurostat indicam que a taxa de desemprego em Portugal é de 10,9%. Contra a esperança do Governo, o Eurostat não reviu os números do mês passado em baixa.

Primeiro: o Governo prefere basear-se nos números do IEFP, que não são estatística, referem apenas o número de desempregados inscritos nos centros de emprego. Os dados nacionais do desemprego, oficiais, são os do INE. Esses são credíveis, mas não é a eles que, na maioria das declarações, os governantes de referem, uma vez que são sempre mais pessimistas que os do IEFP.

Segundo: o Governo bem que se pode esfrangalhar ao sugerir que o desemprego vai baixar. O número de inscritos no IEFP baixará provavelmente, porque os desempregados de longa duração irão às suas vidas sem o “apoio” do instituto de emprego, anulando, assim, as suas inscrições, de forma a evitar reuniões patetas e formações inúteis a que são obrigados. Porque estas ainda oneram mais os seus parcos rendimentos – têm de deixar os filhos com alguém, almoçar fora, deslocar-se.

Já estive inscrito no IEFP, já fui a reuniões inúteis, fui “convidado” para formações “muitíssimo” adequadas à minha área profissional e até me tentaram motivar para a carreira militar. Estas formações são muito interessantes para o IEFP: alimentam a clientelagem política dos formadores e afins; retiram os desempregados da estatística do instituto temporariamente, contribuindo para o natural optimismo dos seus números, tão simpáticos aos governantes.

O desemprego é o problema mais grave desta crise. E advém da debilidade da nossa estrutura económica. É estrutural e não se vai resolver nem com fundos comunitários nem com palavras de circunstância.

01/07/2010

Insustentabilidade

Hoje aumenta o IVA. E o IRS. Aumenta tudo. O cumprimento das metas estabelecidas para o défice obriga ao aumento de impostos. Mas em breve estaremos novamente numa situação de ruptura se não se fizerem cortes profundos na despesa, os quais têm forçosamente de passar por um replaneamento estratégico do Estado e da máquina administrativa. E, eventualmente, pelo reposicionamento do Estado, das suas funções.

O aumento de impostos vai desencadear um processo recessivo. E a verdade é que a economia demonstrava crescimento, ainda que frágil.

A situação fica resolvida a curto prazo. Mas comprámos um novo problema para o médio e longo prazo, e esse não está resolvido. No diagnóstico Passos Coelho tem razão. As soluções têm de ser amplamente estudadas e discutidas. Mas já.

A situação do País é insustentável, diz Cavaco. E tem razão. Mesmo que seja politicamente pouco oportuno, tem razão. Quando foi primeiro-ministro também contribuiu para esta insustentabilidade – esta situação vem de longo, pelo menos dos últimos 20 ou 30 anos. Tem pouca moral para apontar o dedo.

30/06/2010

Sem título

Vieira da Silva, ministro da Economia, sobre o aumento do IVA faz um apelo aos empresários. Entende o ministro que sempre que possível devem ser os empresários a suportar o aumento do imposto, sem o reflectir nos preços ao consumidor.

O apelo é anedótico. Este é o ministro que tutela o Ministério que abriu apoios, linhas de crédito e incentivos para estimular a economia durante a crise. O mesmo que agora fecha esses apoios, a pretexto da crise das finanças públicas. O mesmo que apela para que sejam as empresas, ontem necessitadas de apoio, a absorver os custos do aumento de imposto.

O que é isto?

28/06/2010

Dúvidas

O turismo, que é coisa bem diferente do desenvolvimento regional turístico, parece ser a bóia de salvação de parte significativa do território nacional. E o Governo liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates, ex-ministro do Ambiente, chancelou PIN por aí fora no sentido de ultrapassar as burocracias normais destas coisas.

Vieram os ambientalistas, uma raça difícil, persistente e demagógica – dizem – e desataram a fazer denúncias e a por barreiras onde os PIN as tinha removido.

Aparentemente a Comissão Europeia seduziu-se pelos argumentos dos ambientalistas e deu em fazer avisos e perguntas. Mais estranho é que o Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo, cuja aprovação tem vindo a ser protelada pelos dos autarcas, parece que coloca as mesa dúvidas que a Comissão Europeia – e daí ser um documento non grato.

Se calhar, os PIN não resolvem tudo. E ainda bem que há Comissão Europeia. Pelo menos podemos ficar esclarecidos.

Noticias
RR, Público, Expresso, Jornal do Algarve

25/06/2010

Confiança

A política é hipócrita. Cavaco Silva, ao falar para jovens empresários, descreveu a crise, aconselhou cautelas, foi realista ao dizer que não devemos ter ilusões porque proximamente não teremos um crescimento convergente com a Europa.

O PS vem a terreiro dizer que, grosso modo, o diagnóstico é consensual, mas é dever dos agentes políticos não fazer alarde de uma situação que sabemos difícil, porque é necessário dar uma ideia de confiança para fora.

Não se pode falar verdade em política. Mesmo que a saibamos não a podemos assumir, a bem da Nação. E, pelos vistos, o Chefe de Estado tem a obrigação de calar, mesmo quando o regabofe, a ignorância e o alheamento são pais de uma crise mal parida.

Pelo menos ficamos com uma certeza: a verdade do Governo é uma parte da realidade. A bem da Nação. Afinal, onde é que está o problema da confiança?

Conversa de café

Hoje é dia de julgamento cá no burgo. Nestes dias o café aqui ao lado transforma-se, subitamente, num laboratório sociológico inestimável. Ainda o denunciarei à Maria Filomena Mónica.

Enquanto bebia o meu café, passava uma reportagem na televisão sobre Saramago. E uma senhora, arreada como se em vez de um julgamento fosse a um baile de debute, ia comentando para dois sujeitos mal amanhados: “Não gosto do Saramago. Aquela escrita é contra o nosso português. Não usa vírgula, é preciso muita concentração”. E remata: “A gente assim não conseguimos ler”.

Percebe-se porquê.

21/06/2010

Reduzir as coisas a nada

Discutir comigo é irritante. Sei disso. Porque muitas vezes argumento uma perspectiva que na realidade não defendo para prolongar a discussão e ter a possibilidade de conhecer, como diz a canção de Sérgio Godinho “p'ra ver também um pouco do lado do adversário, do lado contrário”. E irrita-me, perigosamente, quando tenho um interlocutor que reduz as coisas a nada.

Hoje isso aconteceu-me numa conversa simples. Sobre a morte de José Saramago. Porque, ainda antes de entrarmos na fase da discussão, ainda no prelúdio, o meu interlocutor resume tudo a isto: “Um populista, um demagogo”. Sem mais nada. Toda a vida e obra do único Nobel português da Literatura se reduziu à sua intervenção pública, política ou às polémicas. Não adiantei, porque tenho a certeza que se perguntasse a resposta seria de que nunca leu nenhum livro de Saramago.

Li quatro, talvez cinco livros de Saramago, incluindo “Os Poemas Possíveis”. Lerei mais com certeza. Mas estes quatro ou cinco bastaram para saber que era muito mais que demagogia ou populismo. Para perceber porque marcou de forma tão evidente a literatura portuguesa e mundial. Para gostar. Porque antes do Nobel descobri o “Ensaio sobre a cegueira” que logo elegi como um dos livros da minha vida.

Por estes dias Mário Soares contou que, aquando do lançamento de “O ano da morte de Ricardo Reis”, escreveu a Saramago a dizer: não gosto de si, o senhor não gosta de mim, mas tenho de lhe dizer que é um grande escritor. Ao que Saramago lhe respondeu: parece que o senhor gosta mais de mim que eu de si, dando-lhe conta da satisfação que sentiu ao receber a missiva do então primeiro-ministro.

O padre Carreira das Neves contou, ontem, que conheceu Saramago aquando do lançamento de “Caim”, num frente a frente televisivo. E que ficaram amigos, que Carreira das Neves iria em breve passar uns dias a Lanzarote para privar com Saramago e com Pilar, uma vez que ele e o escritor ambicionavam escrutinar melhor os seus argumentos e pontos de vista.

O que hoje vivi deixa-me profundamente triste. Preferia ter tido uma implacável discussão. Quando a cultura, quando um dos maiores vultos da Cultura do último século português, é vítima de uma mera avaliação de valor, intrinsecamente política, mesquinha e bordalenga, tenho para mim que merecemos esta merda de País.

08/06/2010

Estratégia

Tenho dúvidas sobre as medidas de encerramento de escolas no Interior do País. Quem já jogou SimCity? Pois bem, os princípios do jogo relativamente a escolas, serviços públicos, organização da malha urbana e economia local estão em linha com as teorias de desenvolvimento regional e local. Peca apenas pela fraca interacção com as localidades vizinhas.

Existem critérios pedagógicos. Certo. Mas parece que o Conselho de Escolas não foi ouvido. E existem critérios económicos. Provavelmente foram esses que pesaram.

O que acontece é que uma determinada sucessão de um certo tipo de medidas contribui para a vertiginosa tendência de litoralização do País. Isso tem consequências seríssimas: económicas, sociais e ambientais. Não defendo uma posição de princípio contrária, mas o todo destas medidas levanta problemas mais sérios do que aqueles que aparentam.

07/06/2010

Citação

O País transformou-se numa coisa de tal forma pastosa que (parece-me) contamina as nossas vidas. Pelo menos a minha. E agora percebo aquela coisa do sentimento de confiança que titulam os económicos. É impossível confiar e, pelo sim pelo não, fiz uma fuga à escrita, como se isso se traduzisse, de qualquer forma, numa fuga ao mundo.

A provar que não há fuga: comprei o Expresso e levei-o à praia. E cito Sousa Tavares, que me parece ter definido a coisa pastosa numa boa frase.

“O Estado português é como o chefe de família que passa o dia na taberna e no casino e depois rouba o ordenado à mulher e aos filhos para se sustentar!”.

Nem mais.

27/05/2010

Cortes

Mota Amaral concorda com a redução de número de deputados, o que, aliás, é objecto de uma petição que conta com mais de 20 mil assinaturas e que deverá ser discutida no Parlamento.

Quando se fazem cortes existem sempre umas coutadas, pelo que se opta, geralmente, por cortes conjunturais em vez de perseguir objectivos estruturais.

Num País desta dimensão justificam-se 308 municípios? E mais de 4 mil freguesias? Não é essa uma questão a analisar de forma séria? Para que é que servem exactamente as freguesias na maioria destes municípios? Sem o financiamento dos municípios têm alguma capacidade de subsistir? E já alguém analisou, friamente, o número e finalidades das associações de municípios, que proliferam num frenesim, em muitos casos não respeitando minimamente o espírito da lei? E as empresas municipais, intermunicipais e restantes entidades do sector empresarial local? O Tribunal de Contas já se dedicou a esmiuçar as contas destas? A fiscalizar? A legislação mudou em 2006. Produziu consequências práticas na criação e gestão destas entidades?

Há sempre um caminho mais fácil, mais cómodo e que produz efeitos mais palpáveis no curto prazo. Mas a verdade é que o regabofe continua. Tapa-se a cratera com a areia de um buraco. Só que passados uns anos, a cratera regenerou-se e clama.

(des)Protecção Social

Depois de dizer o que diz aqui, Helena André acrescenta que “não vai haver nenhuma redução da protecção social”, o que é, no mínimo, um gozo.

Estes senhores estão convencidos que somos tolos.

25/05/2010

Dois pesos, duas medidas

É por estas e por outras que às vezes é difícil travar a contestação social e a indignação geral, quando se pedem sacrifícios às famílias e, sem qualquer pudor, se aumenta a despesa em regalias.

20/05/2010

Mentir

Mantém-se a dúvida: Sócrates mentiu ou não no Parlamento no caso PT/TVI? Passos Coelho diz que se o PM mentiu não tem condições para continuar e, assim, é de ponderar a apresentação de uma moção de censura.

O Governo não mentiu sobre o défice em 2009? Sobre o estado das contas públicas? Não ignorou e ocultou os avisos da DGCI sobre a quebra da receita fiscal? Não mentiu sobre a situação real do País, cumprindo o calendário conveniente ao PS?

Existem, no entender de Passos Coelho, mentiras de primeira e de segunda?

Uma crise política, sobretudo num cenário de eleições antecipadas em 2010, é grave. E não convém, nem ao PSD, nem a Cavaco, nem ao PS. A iniciativa comunista da moção de censura é irresponsável, porque em teoria poderia despoletar a crise política. Mas fica a dúvida sobre a convicção de Passos Coelho nesta declaração.

19/05/2010

Fechado para balanço

Raios partam a crise. Não se vive descansado neste País. Todos os dias um sobressalto, faits-divers políticos, embrulhadas, trapalhadas, comissões e moções, votações, comunicações, entrevistas, declarações. Não há paz. Nem olhar para eles, ouvir vozes estridentes, numa algazarra que nos vai tornando surdos. Exaustos. Exasperados. Digam o que disserem, soa sempre ao mesmo. Nada. Sumo da laranja ressequida, aquele paladar entre o amargo e o seco. Raios os partam a todos. O défice, o TGV, a moção de censura, a PT e a TVI, as pontes, as barragens. Os fatos e as gravatas, os sapatos, os botões de punho, a base e o blush, as caras amassadas, as olheiras.

Que se ponha a placa: “Fechado para balanço”.
Quando se voltar à vida, avisem.

17/05/2010

A arte do silêncio

Cavaco Silva fez mais uma comunicação que podia ter evitado. A ausência de consenso e as consequentes clivagens de que fala teriam menos impacto se o próprio se expressasse sem a solenidade de uma comunicação ao País.

É verdade que não é tema que justifique desviar a atenção daquilo que realmente interessa. Mas o próprio contribuiu para isso com esta mensagem.

O problema de Cavaco é ideológico, o que é compreensível e legítimo. Mas o PR deve ter consciência da sua posição no xadrez do sistema político e dizer que vetava mas não veta porque é inútil é, no mínimo, patético. Misturar aqui no meio a crise e o desemprego e etc e tal chega a ser jocoso. Porque é como mandar uma séria de recados sobre uma série de coisas e assumir: “Pronto, estou realmente aborrecido com isto, mas também já não posso fazer nada. Não vale a pena. Os gajos levam sempre a deles avante”.

Há três momentos do discurso que são de mau gosto, provocatórios e que não dignificam a figura do PR:
1. A alusão ao casamento como união entre homem e mulher. Ok, o tal parecer do Prof. Freitas do Amaral que sustenta a afirmação. Mas aqui não se trata de uma formalidade jurídica, é uma questão ideológica e, eventualmente, religiosa, às quais o PR deveria ser alheio;

2. A contabilização dos países que fizeram assim ou assado. O PR não tem nenhuma necessidade de fazer contas de merceeiro para sustentar a sua opinião, a menos que se sinta desconfortável no que defende;

3. Os dois últimos parágrafos da intervenção. Primeiro, a alusão à mensagem de Ano Novo, como confirmação da profecia; depois uma frase enigmática, quase ameaçadora. Por último, esta frase: “Há momentos na vida de um País em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um “. Certíssimo, por isso mesmo esta mensagem era desnecessária.

E mais. Cavaco fez esta comunicação ao País, soleníssima, com dois propósitos: primeiro, justificar-se ao seu eleitorado, perto de entrar em pré-campanha, o que lhe fica mal; segundo, aproveitou para mandar outros recados, misturar as coisas, e mostrar que existe agravo, azedume ou descontentamento com a maioria parlamentar e/ou com o Governo, o que também lhe fica mal. Há atitudes que se admitem a um primeiro-ministro, mas das quais o PR se deve defender.

El tangero

Está tudo dito. Afinal o homem é um tangero.

Achas que sabes dançar?

Crises

O Público de ontem trazia um artigo interessante que compara a crise de 2010 com a de 1983/84. E sublinha uma realidade que os decisores estão a tentar ignorar: de lá até aqui não se atacou o problema na sua génese. E, em 2010, vamos tentar remendar uma situação, convictos de que a probabilidade de voltarmos a passar por isto se encontra num horizonte inferior a 20 anos.

No outro dia, uma senhora entrevistada por um canal de televisão por causa do aumento de impostos, aí dos seus 70 anos, dizia que tem 3 filhos e todos foram criados em crise. Ora bem.

A arte de falar

Cavaco Silva dirige-se esta noite ao País. O tema é o casamento homossexual, subsistindo dúvidas sobre a intenção do Presidente – vetar ou promulgar? Sempre que Cavaco se dirige ao País há suspense. Sobretudo depois da famigerada comunicação das escutas.
O tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo, após a partida do Papa, é, ainda, mais delicado. E, neste momento, tudo o que não se deseja é a criação de um facto político que contribua para a instabilidade reinante. Ou Cavaco tem alguma coisa realmente importante a dizer ou esta intervenção, além de despropositada, poderá ter um preço demasiado alto, já que os portugueses se vêm mergulhados numa onde de indignação fruto de medidas impopulares ainda em fase de anúncio.

Hoje também se assinala o dia mundial contra a homofobia. Em caso de veto, o timing é o pior. Em caso de promulgação, Cavaco quer o quê? Justificar-se ao seu eleitorado natural? E era preciso fazê-lo nestes termos?

14/05/2010

Austeridade

As medidas de austeridade apresentadas pelo Governo não surpreendem. Eram expectáveis, sendo que, para já, não houve uma redução de salários, como em Espanha.

De qualquer modo, este conjunto de medidas peca pelo mesmo mal de sempre. O objectivo é um e imediato: reduzir o défice e controlar as contas públicas. Contudo, o aumento de impostos, sobretudo o IVA e impostos sobre os salários, colocam em risco o crescimento económico. Nesse sentido, era expectável que, a par de medidas de austeridade, fosse apresentado um pacote de medidas de incentivo à recuperação económica, que deixasse vislumbrar a esperança da recuperação do emprego. Podiam ser medidas artificiais, baseadas nos financiamentos disponíveis do QREN, mas incutissem confiança – o que é diferente de iludir.

Dos discursos dos últimos dias, o mais inteligente e com maior sentido de Estado foi o de Passos Coelho, na conferência de imprensa de ontem. Além do discurso estar brilhantemente estruturado, foi proferido de forma quase perfeita: serena e pausadamente, voz grave e sem precipitações na fase de perguntas dos jornalistas. Passos é o verso de Sócrates, cuja voz é ou se tornou irritante, que acentua de forma aguda os discursos e ganha uma energia raivosa a meio. Ao fim destes anos, a serenidade é uma vantagem.

11/05/2010

O Papa é o Papa

Revejo-me questões. A visita do Papa é cara, representa um gasto supérfluo numa altura em que se pedem sacrifícios aos portugueses, entre os quais a subtracção de direitos. A máxima parece ser: “grão a grão enche a galinha o papo”. Se, não sendo muito representativos no todo orçamental, os subsídios de Natal devem ser sacrificados em nome da estabilização financeira, 37 milhões por cada dia da visita do Papa também são uma enormidade.

Mais: sinto um arrepio nas entranhas por causa da discriminação positiva que o Estado faz em relação à Igreja Católica. A pergunta que o presidente da CIP faz no último parágrafo desta notícia saiu-me boca fora assim que soube da ponte. Os meus colegas de trabalho indignaram-se com a minha ousadia. O Papa é o Papa. Mais nada.

10/05/2010

Corte, Costura e Remendos

I. Corte
Esta crise está a ser combatida por via do corte. Mas o caminho fica a meio se após o corte não houver costura. No fim, o trapo fica esfrangalhado e é nada.

O problema português não é conjuntural. A crise internacional só expôs uma fractura escondida. O nosso problema é estrutural, vem de longe, é da responsabilidade de todos os Governos dos últimos 30 anos e chama-se Economia.

Certo, há que cortar. E há que cortar mais e em muita coisa. Tenho dúvidas em relação às prioridades do corte, uma vez que vejo pouco combate ao desperdício e os funcionários públicos são sempre as primeiras vítimas. Fala-se muito da pouca produtividade dos funcionários, da fraca eficiência dos serviços, mas ignora-se, em geral, a realidade concreta das coisas. E que grande parte dessa ineficiência poderia ser ultrapassada com medidas simples, na maior parte amigas da transparência, mas muitas vezes ameaçadoras para decisores e políticos.

II. Costura
O problema é conjuntural, dizia acima. E chama-se Economia, acrescentava. Pois bem: Portugal tem uma estrutura económica débil, arcaica e, muitas vezes, saloia. Podemos regularizar o défice, mas se não refundarmos a nossa capacidade económica, em poucos anos estamos na mesma. Foi o que aconteceu até aqui, vivemos de crise em crise, justamente, porque não temos economia. Desperdiçámos, ao longo dos últimos anos, onde encontrámos períodos de enorme potencial, a oportunidade de criar um País economicamente mais sólido. Para isso bastava ter aplicado, correcta e seriamente, como fizeram outros países europeus, os milhares de milhões de fundos comunitários que por aí passaram.

A Europa faz bons diagnósticos, planeia bem, tem os assuntos bem documentados. Leiam-se os documentos estratégicos do QREN (nacional e dos outros países), mas a liberdade de cada um ainda é demasiado grande. E o chico-espertismo lusitano tem ignorado sucessivamente as estratégias desenhadas. A nossa agricultura é inexistente e vive dos subsídios; as pescas foram delapidadas e vivem dos subsídios – ok!, são dois sectores sensíveis. As empresas vivem das linhas de financiamento. Não investem em projectos por acreditarem ou precisarem deles, investem porque existem milhões de euros para isto ou para aquilo. A indústria vai-se aliando às universidades, e bem, mas sem investir um tostão: financiamento para isto, financiamento para aquilo. Não há empreendedorismo. O risco é básico no conceito de empresa. Como os empresários portugueses não arriscam o mínimo, creio que não temos empresas.

III. Remendos
O que me espanta, por estes dias em que se apregoam soluções milagrosas, é que todas as medidas anunciadas são imediatas: reduzir o défice. Certíssimo, é imperioso reduzir. Sim, há que fazer cortes e sacrifícios. E depois? A seguir? Continuamos a ficar mais pobres, até nos roubarem os ossos do prato? Por esses concelhos fora, um pouco por todo o País à excepção das grandes áreas metropolitanas, o número de empregos gerados pelo sector dos serviços é enorme. Grande parte deles no sector público. Porquê? Porque não há economia, não há empresas, não há iniciativa privada. A que existe é frágil, gerida sem profissionalismo, muitas vezes encostada ao Estado, ao pequeno caciquismo local e a viver à sombra de interesses ou a fazer-lhes uma confortável sombra. Outra é de capital intensivo, que é bom, gera emprego, contribui para as exportações, mas é efémero. Fecha-se o ciclo e ficamos com as calças na mão – é o que acontece na indústria automóvel, na petroquímica, nos recursos naturais endógenos.

Ao Estado não caberá fazer a Economia. Mas deve-lhe criar condições, estimulá-la e imprimir rigor. Ser exigente. Quando se atribui um subsídio tem de ser exigir que ele se converta numa mais-valia para a sociedade – isto também é do conceito empresa, criar mais-valias sociais. Imprimir políticas sérias de responsabilidade social. Se a atribuição de financiamentos não é fiscalizada, se a burla é impune, chega-se a este ponto. E alguns investimentos públicos são indispensáveis para criar condições, sobretudo para as exportações. Sem eles nem o capital intensivo nos vale - por isso Sines ainda é o que é, aguarda há décadas por infra-estruturas básicas de mobilidade, por exemplo.

O que custa ao aceitar estes sacrifícios é que parece que os vamos fazer cegamente. Para equilibrar as contas. Só. Depois, logo se vê. Pode ser que vivamos meia dúzia de anos folgados e, a seguir, aperta-se. Mas o Estado de Bem-Estar tem sempre exigências novas. E das duas umas: ou abdicamos, de vez, do bem-estar, ou instala-se a lei da selva.

Acredito que vai ser difícil conter a contestação social, as manifestações e até, quem sabe, evitar cenários de violência nas ruas. As pessoas estão cansadas e duvido que ainda acreditem numa promessa longínqua, tantas vezes repetida. Há menos de um mês, o primeiro-ministro garantia, no Parlamento, que não havia lugar a subida de impostos.

(Mais) Sentido de Estado

Alberto João Jardim defende o fim de despesas inúteis, extinguindo organismos como a Entidade Reguladora da Comunicação, o Tribunal Constitucional e a Comissão Nacional de Eleições.

As despesas de funcionamento dos diversos ministérios em consultorias (existem escritórios de advogados que vivem do expediente de fazer estudos para a elaboração das leis, depois de estudos sobre a interpretação destas e depois andam nos tribunais a contestá-las em providências cautelares), bem como as inúmeras nomeações para outros tantos organismos, entre os quais empresas públicas, bem como as regalias associadas a determinados lugares, é que não são para mexer. A racionalização da despesa, num concreto combate ao desperdício, não é uma prioridade - ideia dos Simplex é óptima mas não faz um combate ao desperdício nem promove a eficiência. Não vale a pena mexer nos boys e girls que proliferam por aí.

Mais valia acrescentar a esta lista o Tribunal de Contas, a Inspecção-geral de Finanças e o Supremo Tribunal de Justiça, etc.

Jangada de pedra

Com a iniciativa de receber ex-ministros das Finanças em Belém Cavaco Silva mostra que aprendeu qualquer coisa com Mário Soares. Este último também tomava iniciativas que fragilizavam o Governo e o primeiro-ministro, então Cavaco Silva, que se queixava das forças de bloqueio. Hoje, o mesmo Cavaco, agora Presidente, utiliza semelhante expediente, ainda que sem a exuberância soarista. Não é esse o seu estilo, mas o objectivo é o mesmo.

Isto comprova que o azedume entre Belém e S. Bento se mantém e agravou. E que, mesmo em altura de crise profunda, quando o País parece uma jangada de pedra, ainda se opta pelo desnorte, quando se exigia responsabilidade, concertação e sentido de Estado.

Sentido de oportunidade

O Prof. Adelino Maltês dizia, no outro dia, na SIC Notícias, que esta semana ia ser uma parvoíce: o Benfica campeão, o Papa anda por aí.

A escolha do Governo, pela voz de Teixeira do Santos – e não pela de José Sócrates – para anunciar a necessidade de subir impostos, eventualmente sobre os salários, para cumprir compromissos assumidos em Bruxelas, recaiu sobre esta segunda-feira, quando o País boceja às secretárias e se encontra ressacado da noitada de ontem. Amanhã chega o Papa.

No Natal, quando olharmos para os nossos recibos de vencimento (quem a eles tiver direito), existirão surpresas.

07/05/2010

Isto é que é insultuoso

Esta história não é insólita. É um insulto a todos nós. Ao País. Um homem que foi eleito, que é deputado, ainda que canalha, deve ter o pudor de parecer um homem de bem em público, caso contrário está a passar, a quem um elegeu, um atestado de estupidez. Foi isto que este sujeito fez.

Mas é certo que é inábil e, acima de tudo, burro. Porque este sujeito deve ter pensado que a coisa se ficava assim. E é tanto mais curioso quando, na entrevista, disse que os agravos de Sócrates com a imprensa só prejudicavam o primeiro. Palhaço.

Ora bem, este sujeito não conhece o mundo, aliás, como a maioria dos políticos que se abstraem nos corredores dos palácios e julgam que toda a gente joga aquele jogo da punhalada silenciosa.

Um político quando aceita ser entrevistado deve estar consciente e tranquilo em relação ao que lhe pode ser perguntado. Ou não responde. Mas escusa, como este sujeito, de se tentar armar ao pingarelho. E fazer um disparate destes.

Mais triste é que existe uma cambada de encarneirados (os socialista em geral) que se solidarizaram com este sujeito. Quando, se ele fosse um homem vertical, só teria uma alternativa: admitir o erro, um acto irreflectido ou um devaneio de infantilidade, demitir-se e desaparecer, envergonhado para todo o sempre, da cena pública.

26/04/2010

Abril II

O 25 de Abril é, para mim, o feriado mais importante do calendário. Acredito que nasci fora de tempo, e que devia ter em 74 a idade que tenho hoje. Pelo romantismo das causas. No que quer que fosse, havia um acreditar que hoje parece inexistente.

Por norma, nesta altura do ano, faço o périplo dos cantores de intervenção. Perdi a conta às vezes que fui atrás do Pedro Barroso ou do Sérgio Godinho (que este ano soma mais um ponto).

Mas foi com o Manuel Freire, em Coimbra, há anos, que me debulhei a chorar como se não existisse amanhã. Porque se tratava, na magnífica Via Latina, de uma recriação dos chamados cantos livres, com muitos dos melhores cantores da altura. A “Pedro Filosofal” e a cumplicidade de todos se juntarem ao Manuel Freire no palco, uma reacção espontânea e emocionada do parco público existente na vastidão daquele pátio, fez daquele noite um momento único e inesquecível. E foi a primeira vez que vi o Manuel Freire ao vivo – o que apenas repeti uma vez.

22/04/2010

Abril

“O 25 de Abril «não conseguiu responder às aspirações justas e fundadas e aos interesses legítimos da maioria dos portugueses», suscitando a «situação perversa» de que o poder, enquanto «instituição» democraticamente eleita, «não funciona, porque a sociedade não sabe fazê-la funcionar de maneira correcta»”
Ramalho Eanes, Diário Digital

Aqui está. Abril não se cumpriu, não se cumpre. Não valem a pena discursos demagógicos, que me ficariam bem, mas cujo conteúdo era nada. A democracia não é perfeita. É feita de gente.

Hoje, tanto se fala da crise que resolvi ir à procura do FMI do José Mário Branco. Nunca o tinha ouvido, o que, confesso, em mim é estranho.

A vida, assim desfolhada, é uma confusão. Cada um por si.

20/04/2010

Outra dimensão

Tenho uma vizinha, aqui no centro da vila, que, ao que parece, não tem nem luz nem água canalizada em casa. Luz é seguro – não tem. A água é uma suspeita.

Faz serão em casa das vizinhas, com quem vê as novelas. Um dia numa, outro noutra, depois noutra. Quando saio com o cão, na última volta da noite, ali vai ela, embrulhada em xailes, a caminho de casa. Passa a roupa a ferro na casa das vizinhas. Compra comida já feita.

Estamos em 2010. Esta mulher, desempoeirada, metida na vida alheia, muito só, vive como viveram os meus avós até aos anos 70, sendo que estes estavam no campo e não no centro de uma vila com quase 10 mil habitantes.

Será um constrangimento financeiro? Ou hábito?

19/04/2010

Racionalização

Descobri, por mero acaso, que houve um tempo, em Portugal, em que existia o ministro da Qualidade de Vida. Entretanto, este digníssimo ministério desapareceu da nossa matriz governativa. Julgo, porque os nossos governantes perceberam que era absolutamente escusado insistir na tontaria de dedicar tempo e recursos na prossecução da qualidade de vida dos portugueses.

Ora, nesse sentido, não percebo porque é que o PEC não propõe medidas de racionalização ministerial, deixando de insistir em outras tontarias que, todos percebemos, há anos que nos consomem sem resultados à vista: justiça, emprego e segurança social, educação.

Sócrates teria feito um brilharete em Bruxelas.

Em pratos limpos

Às vezes partir a loiça toda é bom. Às vezes dá vontade de. Em Portugal, Jaime Gama jamais permitiria isto. Se calhar é populista. Inadequado. Desrespeitoso. É capaz de ser demais. Se for verdade, porque não? É melhor o nosso politicamente correcto, hipocrita e bacoco? Não sei. Mas que dá gosto uma mulher a por tudo em pratos limpos.

Passou-se há pouco tempo no Brasil.

16/04/2010

Interesse nacional

Maria José Morgado, aqui, parte do princípio de que os projecto PIN são susceptíveis de gerarem ilegalidades na fase de execução. E que os lugares de nomeação política fecham os olhos a isso.

Isto diz muito sobre o nosso sistema. E o pior é que a senhora é capaz de ter razão. Não fossem os PIN um mecanismo de saltar as burocracias impostas pelas exigências legais.

Só neste País

Voltou o Inverno. Pessoalmente atribuo responsabilidades à portugalidade, no seu pior sentido. Portugal é quase sempre Inverno. A meteorologia faz-nos a vontade.

O Governo não existe: transformou-se num grupo de gente que protagoniza e/ou comenta escândalos associados ao partido (e ao seu líder), aos quais se junta um grupo de fabulosos anónimos. Fabulosos porque ninguém dá por eles, o que é fabuloso, porque ser ministro e anónimo não é para qualquer um. Quando não há escândalos, há conspirações e movimentações políticas fora de cena acerca das presidenciais e pequena guerrilhas.

Novidades da governação? Zero. O que é bom. Pelo menos é sinal de que a crise não piorou. Os combustíveis aumentam? Sim. Mas o ministro, que por acaso não é completamente anónimo, diz que não percebe. O PEC é aprovado em Bruxelas e sucedem-se declarações sem interesse. Um não sei quantos ex-FMI diz que, pior que a Grécia, estamos como a Argentina.

No País do Inverno, daqui a nada vamos de férias ao sol, numa fugaz Primavera. Nem mais nem menos. Esquece-se. E em Setembro o mesmo de sempre.

14/04/2010

Ignorância

Os administradores da Taguspark vão ser acusados de corrupção passiva no caso da campanha de Figo, a qual terá sido contratada, alegadamente, em troca do apoio do jogador à campanha eleitoral das legislativas de Sócrates.

Figo fica de fora da acusação, uma vez que desconhecia que a Taguspark é uma empresa de capitais públicos.

Assim sendo, como foi possível estabelecer a relação entre a campanha e o apoio? Se Figo desconhecia, como é que aceitou a campanha como moeda de troca ao apoio?

Não há aqui qualquer coisa mal explicada?

13/04/2010

Presidenciais

António Vitorino defende que a posição do PS sobre a candidatura de Manuel Alegre – seja ela qual for – não pode demorar.

Manuel Alegre adiantou-se e deu espaço para que os seus inimigos internos ganhassem tempo. A candidatura de Fernando Nobre, com ou sem mão soarista, precipitou-se. E o PSD está completamente descansado, porque o natural é ter Cavaco, sendo esta uma candidatura com poder de, pura e simplesmente, aniquilar as restantes.

O PS parece não ter alternativa a Alegre. E isso é bom e mau para Alegre e é bom e mau para o PS. Se Alegre conseguisse a pujança de 2006. Duvido. Mas se conseguir, pode ser que, de forma inédita, um presidente em exercício tenha dificuldade em se reeleger. Era um bom sinal para a democracia. Odeio o unanimismo, o consenso geral, as maiorias esmagadoras, as coroações.

Além de que nutro simpatia por Alegre. E antipatia por Cavaco. O que é engraçado, porque na política, além da convicção, existe um factor irracional que nos move. É devido a essa irracionalidade que simpatizo com Alegre e antipatizo com Cavaco. Coisas da vida.

09/04/2010

La Maza

Mercedes Sosa foi, em vida, e será, eternamente, uma voz incontornável da América Latina. Uma voz da liberdade, de acreditar. Uma voz que deu voz a poetas silenciados de uma região sempre instável. O encontro de Mercedes Sosa com Shakira, ícone da pop mundial, é emocionante. Mostra que o incontornável o é sempre, independentemente das indústrias. Que Sosa é La Negra. Para sempre. E, sobretudo, mostra que a humildade de uma e de outra torna a música num ponto de encontro de gerações e de valores.

07/04/2010

Salganhada

Desde o início das audições na Comissão de Ética sobre liberdade de expressão que se percebeu a salganhada que ali se cozinhava.

Pais do Amaral e Emídio Rangel confirmam o que se tem passado para trás. Não consigo compreender que Pais do Amaral acredite que a TVI trabalhasse no sentido de derrubar Santana Lopes. Se isso aconteceu, Pais do Amaral é conivente por omissão.

Ou será isto, ainda, um qualquer ressentimento do caso Marcelo/TVI?

Emídio Rangel adopta, há tempo, uma postura de bem com o mundo mal com todos, como se apenas houvesse uma verdade, que é a sua. Isso vê-se nos comentários na RTP-N (não me lembro o nome do programa), onde faz uma defesa feroz de Sócrates. E viu-se ontem, com argumentos mais ou menos na mesma linha. E estranho esta conduta.

As suspeições que ali se levantam, conduzirão a conclusões? Duvido. Se a Comissão Parlamentar de Inquérito não clarificar o que se vai passando nas audições da Comissão de Ética, a dignidade do Parlamento e dos deputados fica tragicamente reduzida ao ridículo.

06/04/2010

Ordem

Em momentos de abstracção consigo maravilhar-me com tudo o que o Homem conseguiu. Atravessar estradas, palmilhar quilómetros ao lado de paisagens magníficas. Ter cidades e espaços, jardins, serras bem conservadas, rios e tanto mar. Tanta tecnologia, em tudo.

O Homem dominou parte da Natureza e transformou-a em utilidades para si, para o seu conforto, para a satisfação das suas necessidades. Para as mais básicas e para aquelas cuja complexidade não é passível de maravilhamentos.

E essa ordem é permanentemente atentada. Fragilizada. Todo o deslumbramento com as pequenas e as grandes coisas desmorona-se. A natureza humana é sólida de insatisfação. E essa inquietude deu grandes passos à Humanidade. E é a sua grande ameaça.

26/03/2010

Saudade

E se ouvirmos isto?

E se ouvirmos, só ouvir? Se pensarmos na Sé Velha, na Rua de Sub-ripas? Na Torre de Anto? Na Via Latina? Na Cabra? No Quebra-Costas? No Parque, à beira Mondego, nas noites ébrias de Maio, no traje incómodo e incansável?

Há uma Coimbra que se impregna na nossa pele. Uma cidade de sensações que não mais nos larga, que é alma, é gente para sempre. É um tempo vivido. Fica a Diligência, as baladas de trovão, as sangrias, o escuro fumegado daquela casa.

Fica. Sempre. Jamais haverá outra Coimbra senão a nossa. Cada qual vive e constrói, dentro, a sua. Jamais haverá 20 anos, jamais haverá noites que são manhã. E livros lambidos e exames sem importância.

Porque Coimbra é aquilo ali na encosta. Casas velhas apinhadas. É cinzento e castanho. É uma lágrima que se solta sem razão.

Lobo Antunes

Há quatro ou cinco anos, tentei ler a Memória de Elefante. E, na altura, foi uma experiência frustrada. Abandonei. Não sei bem porquê. Mas as crónicas, da Visão, davam-me prazer. Aquela escrita tem uma textura que não permite dispersão. E transporta-me para um imaginário muitíssimo rico. Assim, e apesar de algum medo, repesquei a Memória de Elefante.

Há muito que um livro não me dava tanto gozo. Vou a pouco mais de meio e já estou com pena de estar quase a acabar.

24/03/2010

Ousadias

A par das audições de comissão de ética, que decorrem sem nenhuma surpresa e demonstram relevância duvidosa, vai avançar a comissão de inquérito.

Tudo bem. A comissão de inquérito pode ser esclarecedora, muito embora esteja em crer que ninguém vai dizer mais do que disse na comissão de ética.

Surpresa das surpresas é incluir na listagens de personalidades a inquirir Pinto Monteiro, uma série de magistrados e o primeiro-ministro. O PGR e os magistrados, num Estado onde existe separação de poderes, devem ser protegidos deste circo, ou perde-se mesmo o pudor na intromissão da política na justiça e sobre a independência desta. Se bem que existem dúvidas de fundo sobre o processo em si.

O primeiro-ministro, mesmo que às vezes mais pareça um bebé chorão (a entrevista ao JN foi um lamento lamentável, sobretudo a 1º parte), é uma figura de Estado. Era escusado entrar a matar. Mesmo porque a sua inquirição deve ficar para o fim. Decorridas as principais inquirições, havendo matéria, convocava-se o homem.

E o PS e o PSD deviam ter mais cautela. Alegadamente o nosso sistema democrático precisa destes dois partidos para coluna vertebral. A troca de argumentos de ontem, na comissão de inquérito, demonstra grande insegurança dos deputados. Isto pode ser o princípio de qualquer coisa imprevisível.

22/03/2010

Desequilíbrios

Um estudo do Fundo da População das Nações Unidas, de 2007, alertava para a tendência instalada de concentração da população europeia nas grandes cidades. Lisboa não é excepção. O relatório advertia, também, que em 2008 metade da população mundial viveria em cidades.

Caso a tendência de confirme, no espaço de uma geração o número de pessoas a viver em cidades duplicará e muitos dos novos habitantes serão pobres. O mesmo relatório afirma que as cidades não estão preparadas para responder a este fluxo.

A situação é grave, porque acontecerá sem que nos apercebamos do que realmente se está a passar. O abandono dos meios rurais e, até, das pequenas cidades e vilas, bem como a consequente pressão que se exercerá nos territórios de concentração, causa e causará desequilíbrios ambientais, sociais e económicos. E mostra, como refere o documento, que as políticas de desenvolvimento do território falharam e continuam a falhar, pelo que as Nações Unidas apelam para medidas urgentes.

Pode parecer fantasioso e até uma preocupação de importância relativa. Contudo, não o é. Quem estudar com alguma atenção a matriz da política regional europeia entenderá que esta é uma preocupação da União Europeia. Olhando para o QREN 2007-2013, entende-se que a coesão passa, em muito, pelo esforço de manter estes equilíbrios. O documento Cohesion Policy 2007-13 – National Strategic Reference Frameworks, onde podemos comparar as prioridades de investimento de fundos comunitário nos diversos países, mostra que esta é uma preocupação central. E daí existirem vários níveis de desenvolvimento das regiões e consequentes níveis de financiamento (Convergência, Competitividade e Emprego, e subcategorias respectivas).

Mas, pelo menos em Portugal, a execução do QREN é muito baixa. E, como vamos a meio do quadro e executámos pouco, como a União avalia a execução com base na execução financeira (leia-se dinheiro gasto), vamos desbaratar o que existe no sentido de conseguirmos uma taxa de execução que não nos envergonhe. E isto é, ainda, mais preocupante, porque há aqui uma janela temporal cheia de oportunidades. Se o problema não for encarado com seriedade, pelo menos Portugal deparar-se-á com dificuldades imensas no futuro. E não há PEC que nos salve. Porque estes movimentos são silenciosos e irreversíveis. Ou as medidas de política surtem resultados por antecipação, preventivamente, ou será muito difícil lidar com o problema.

Divisão do território

Quando se pensa em resolver problemas estruturais do País, passa-se sempre ao lado de uma questão. A divisão administrativa. E quando se fala nela é para aventar a possibilidade da regionalização.

Portugal tem 4260 freguesias e 308 municípios, 18 distritos. 92 mil quilómetros quadrados e uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes. Existem municípios e freguesias muito populosos e outros muito desertificados.

Mais: os governos civis, por distrito. Uma aberração. Fariam sentido, noutros tempos, quando não existiam telemóveis, boas estradas e bons carros, helicópteros e aeródromos, internet e sistemas integrados de gestão, quando o Governo podia não conseguir estar presente num distrito longínquo numa situação social ou política grave, calamidades, etc.

Existem partidos, como o MMS, que têm no seu programa a redução do número de municípios. Não tenho opinião formada sobre o assunto, porque não encontro literatura sobre isto. Mas gostava de perceber melhor a fundamentação desta divisão e a fundamentação para a sua alteração. Como pergunta de partida sugeria: A actual divisão administrativa do País contribui em que medida para o desenvolvimento regional?

À luz das teorias do “bottom-up”, esta configuração do território deve, obrigatoriamente, revelar um contributo definitivo para o desenvolvimento regional. Ou então, andamos, há muito, a fazer tudo errado. Um estudo, possivelmente recorrendo à econometria, dar-nos-ia indicadores de análise interessantes e grande relevo.

20/03/2010

Parlamento dos pequenitos

Mas que raio foi aquilo, ontem, no Parlamento? Jaime Gama passou um mau bocado. Qualquer dia, leva uma daquelas canas como a minha professora da primária tinha, com a qual nos arriava nos falhanços da tábua ou pelas insubordinações criançolas.

Se calhar, em vez de a Assembleia ter investido naqueles computadores indiscretos, devia ter adquirido um sistema avançado tendo em vista a punição de deputados birrentos e de secretários de Estado mal habituados às disposições regimentais.

19/03/2010

Esperança

Coisas simples. Às vezes são as coisas simples que nos enchem. Não há muito tempo, ao acaso, descobri uma dessas coisas simples que têm a capacidade de nos transportar a outro lugar, de nos deixar em êxtase.

Não é uma orquestra. Não foi no S. Carlos. É uma tuna.

Não é um coral conceituado e que corre o mundo em digressão. Não é um cantor lírico. É o Pedro Barroso.

Estupidamente tinha a versão original, em casa, num daqueles discos que compramos na esperança de completar a obra de alguém que admiramos. E nunca a tinha ouvido.

Acho arrepiante. Pela simplicidade. Gosto mais, sempre, das versões ao vivo. Das imperfeições, das pequenas desafinações, das entradas fora de tempo. Dos despropósitos. Da respiração da música e dos músicos.

Isto foi uma descoberta feliz.

16/03/2010

Economia

Ainda sobre o post anterior. Estado e economia. O País não é empreendedor. Os empresários estão habituados a viver à sombra de subsídios e de outros expedientes, em vez de fazerem seguros. Querem apoios paternalistas e repudiam o risco, inerente ao conceito de empresa.

Tudo bem. Podemos ter leis laborais rígidas, em comparação com a maioria dos europeus. E impostos à farta. Mas nenhum empreendedor suporta a burocracia, o pequeno poder e, sobretudo, a insegurança de um sistema judicial que pode assassinar qualquer audácia empreendedora.

A economia precisa de justiça. Célere, rápida, certeira. Justiça sem floreados. E de um Estado sério, que cumpra as regras, mas sem criar entraves burocratas desnecessários. Com justiça atraem-se bons investimentos. Com a nossa justiça facilita-se não apenas a corrupção, como o mau investimento. Quando lhes descobrimos a careca eles já estão noutro qualquer paraíso judicial, onde a bandalheira permite que um processo ande, por aí, uma década.

A burocracia ajuda à festa. Digam-me um caso em que a burocracia inverteu um processo pouco transparente. Acontece o contrário. Facilita a escuridão. Papéis e mais papéis. São aos montes nas repartições. Da última vez que fui finanças fiquei parvo. Já se faz tudo no portal das finanças, mas aquilo parecia a Torre do Tombo depois de um tufão. E corre-se de balcão em balcão. A modernização dos serviços não resolve nada, porque o esquema mental é o mesmo: burocrata, debochado, cheio de manhas e de papelinhos inúteis.

Pode começar-se por algum lado. Pode começar-se pela justiça. Pela desburocratização e eficiência dos serviços. Em paralelo, disciplinar empresários e o mercado de trabalho, adaptando ambos a uma realidade que mudou e continua a mudar. Mas flexibilizar sem justiça, sem uma visão moderna do papel do Estado, também não é solução nenhuma.

Barrigada

Andei convencido estes anos todos que era de esquerda. Sem partido, sem fundamentalismo. Os últimos episódios da série B em que se transformou Portugal têm-me levado a fazer perguntas que, antes, não havia formulado.

A direita diz que há muito Estado. Concordo. Existem mais de 4 mil freguesias, 308 municípios, 18 governadores civis. Estes senhores (os governadores), meio bafientos e fazer lembrar o caciquismo do Estado Novo, servem exactamente para o quê? O que é que eles fazem que não podia ser feito pelos municípios ou pela Administração Central? Direcções regionais por todo o lado, vezes muitos serviços e mais serviços e uma multiplicidade de organismos e outros tantos burocratas. Tudo em pouco mais de 92 mil quilómetros quadrados e para uns 10 milhões de sujeitos.

Existe muito Estado e pouca economia. O Estado deve ter uma palavra a dizer sobre sectores estratégicos: comunicações, energia, transportes, resíduos, água, etc. Mas o Estado não consegue dizer quase nada de jeito, porque numa economia quase inexistente como a nossa, em que tudo gira à volta do Estado (leia-se Governo), têm de se fazer um fretes a umas empresas (malta amiga) e não prejudicar as campanhas eleitorais futuras, cujo financiamento é sempre um problema, cuja solução tem como protagonistas uns senhores que o Estado nomeia para tomarem conta do mercado.

Existe muito Estado. E pouca economia. Mas o cerne da questão não está na barrigada de Estado que Portugal apanhou, está na indigestão causada pela politicazinha de trazer por casa. As estruturas do Estado estão apinhadas de boys em exercício, de boys na prateleira (à espera da alternância governativa), de listas de espera de boys que lá chegarão: aos serviços, às empresas, às consultorias, aos gabinetes de apoio, etc.

15/03/2010

Sol

Sou alentejano. É o Sol que me regula o humor. Não gosto de chuva, não gosto de tempo nublado, nem de frio, nem de lareiras e aquecedores, ar condicionado quente, nem de noites que comecem à tarde. Compreendo muito bem a minha tartaruga, Natália, que passou o Inverno a tentar hibernar. No Inverno só me apetece dormir.

No Verão também. Mas, no Verão, os dias são grandes. Gosto de acordar tarde, gozar o pino do Sol, levar o dia noite adentro. Ficar acordado até tarde. As angústias são menos profundas, a música sabe melhor ao Sol, os jornais trazem noticias melhores, os romances têm mais amor e a literatura é mais densa.

Mesmo que chova amanhã, no dia a seguir está Sol outra vez. E o Alentejo cheira a campo. Está tudo verde, dá gozo andar de carro pelas estradas esburacadas, olhar as flores, atravessar a serra. Está Sol e o Alentejo é Alentejo outra vez.

PPD/PSD

Tive coisas mais interessantes para fazer durante o fim-de-semana que passar dois dias, colado à televisão, a acompanhar o congresso de Mafra.

Propositadamente, vi poucas notícias sobre o assunto. Primeiro, porque os congressos, por norma, são uns encontros de comadres bem arranjadas, cujo objectivo é vociferar para os holofotes, gravar as respectivas emissões televisivas e desfrutarem das imagens até ao próximo congresso; segundo, o PPD não me merece assim tanta atenção, porque sendo um dos dois grandes partidos, fazendo parte do tal arco da governabilidade (etc…), há muito que parece um colégio daqueles meninos queques, que não se sujam no recreio, mas são umas pestes de falta de preceitos.

Contudo, uma das notícias que apanhei deixou-se absolutamente em choque. O PPD/PSD aprovou uma alteração estatutária que sanciona, até com expulsão, os militantes que digam mal da liderança ou das linhas orientadoras do partido 60 dias antes das eleições.

E isto é do arco da governação? Vai na volta, Santana Lopes ainda chega ao Governo outra vez e os jornais também passam a não poder dizer mal do Governo antes das eleições. Ah, desculpem, parece que isso já é assim.

12/03/2010

Boys

Teixeira dos Santos cometeu um erro imperdoável. Pessoalmente, acho discutível a pertinência da divisão administrativa em freguesias. Por motivos que não importa aqui explorar agora. E, até a actual configuração dos municípios, 308 ao todo, é questionável. Em algumas coisas somos um País em grande.

Mas tenho a certeza de duas coisas: os presidentes de Junta de Freguesia são eleitos pelo povo, como todos os autarcas e como os deputados; os membros do Governo são uma escolha indirecta, uma vez que para integrar o Governo não têm de, obrigatoriamente, estar eleitos no Parlamento. Teoricamente, não faz sentido em democracia. Sublinho o teoricamente (nada de confusões).

Concluindo: os autarcas (membros dos executivos e assembleias municipais e de freguesia), bem como os deputados da Nação são eleitos pelo povo. Os membros do Governo podem-no ser ou não. Podem ser escolhidos pelo partido mais votado nas eleições legislativas. Sem que os seus nomes sejam apresentados antes da eleição.

E os boys são os das juntas?

11/03/2010

Trovoadas

Portugal vive de uma agenda em dois ciclos. Há muito que é assim. Crise e eleições. Aprovado o orçamento, apresentado o PEC, a agenda nacional passará, necessariamente, a ser marcada pelas próximas eleições. Presidenciais.

Cavaco Silva manterá o tabu sobre a recandidatura, quando é certo que se apresentará a um segundo mandato. A maior das incógnitas reside no Rato. Sócrates terá sempre um problema: se apoiar Alegre terá de o explicar à opinião pública e ao partido, se não apoiar tem de se explicar na mesma. Certo é que as candidaturas da cidadania, como Alegre em 2005 e como se apresenta Fernando Nobre, dificilmente mobilizarão em 2010. Alegre, com ou sem partido, cometeu erros no arranque, deu espaço do Bloco para se colar e é notória a sua expectativa em relação ao PS; a Fernando Nobre (e posso estar enganado) ninguém lhe retira o mérito, pessoal e profissional, mas está longe de ter um discurso mobilizador.

O segundo semestre de 2010 seria uma oportunidade de o Governo aliviar sobre si a pressão das crises. Contudo, parece que as presidenciais não serão bonança entre trovoadas.

10/03/2010

Liberdade de Imprensa

A Comissão de Ética continua a desfolhar estórias da liberdade de imprensa. Miguel Sousa Tavares, no seu Sinais de Fogo da semana passada, fez uma observação interessante. Os jornalistas, incluindo os directores de jornais, sempre sofreram pressões. É normal. Cada um lida com isso da forma que sabe e pode.

Mais grave é quando as pressões são exercidas via administração dos grupos de comunicação. Podendo o ministro fulano ou beltrano ser importante, é o meu patrão que me dá emprego e paga o salário. Diz Sousa Tavares que a pressão do patrão tem um efeito intimidatório muito mais real sobre o jornalista que o de um agente político.

E acrescento eu: sobretudo quando o emprego dos jornalistas é precário, a recibo verde ou menos ortodoxo que isso, mal pago e instável.

06/03/2010

Uns e outros

O Governo apresenta hoje o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). Apesar de alguma expectativa em relação às medidas (vamos ver o que é coragem política?), não consigo deixar de sentir algum desprezo pelo que aí vem e pelo discurso que se prevê. Sabemos, como sempre sabemos, que a saída da crise vai custar mais a uns que a outros. E sabemos quem são uns e outros.

E pior que tudo. Sabemos que vivemos, constantemente, neste ciclo. A crise, a recuperação, um nadinha de fôlego e nova crise. Foi assim nos últimos 30 anos, não deixará de o ser agora. Sobretudo porque esta crise devia ter-nos ensinado alguma coisa, pela sua génese e dimensão, e creio que não retirámos dela nenhum proveito.

Portanto a ideia é resignarmo-nos a viver os próximos anos de forma abnegada em nome da necessária recuperação, para numa qualquer altura de eleições legislativas nos venderem a ideia de que estamos, finalmente, “porreiros pá” e a seguir à tomada de posse do governo eleito voltarmos ao discurso da “tanga”.

Há uns que se lixam sempre mais que os outros. Basta ver os lucros das grandes empresas, mesmo daquelas que durante a crise aproveitaram para fazer cortes e contribuir para os mais de 10% de desemprego.

05/03/2010

Justiça?

Segundo o Público, duas jornalistas do jornal Sol foram constituídas arguidas no âmbito de inquérito aberto pelo Procurador-Geral da República às fugas ao segredo de justiça no processo Face Oculta.

Não sei se percebi bem a questão, uma vez que as notícias ainda são escassas. De qualquer modo há três notas a assinalar desde já:

- As fugas ao segredo de justiça não se encontram nem nos jornalistas nem nos jornais. A investigar fugas há que investigar os vários agentes que têm acesso aos processos, desde os funcionários judiciais, aos magistrados, juízes, advogados e arguidos;

- Se percebi bem, a coisa está-se a fazer ao contrário, naquilo que pode ser uma manobra persecutória a jornalistas incómodos, o que vindo deste PGR não me causa estranheza, dada a sua conduta em processos mediáticos, e neste em particular;

- Se o PGR conta, assim, levantar o segredo profissional dos jornalistas em relação às fontes, é provável que a operação não corra conforme desejado, vindo apenas reforçar duas evidências cada vez mais claras aos olhos dos portugueses: a Justiça (e o Ministério Público em particular) está altamente politizada e permite de tudo um pouco, menos que se toque em figuras mediáticas (Casa Pia, Moderna, Face Oculta, Independente, etc, etc, etc); a Justiça não dá conta dos seus problemas internos e conta resolvê-los recorrendo a bodes expiatórios, sendo a classe jornalística dos melhores até hoje encontrados, sobretudo porque os problemas com os media, ainda que agravando a situação política, desviam a atenção dos jornais de outros temas, eventualmente ainda menos convenientes que um escândalo já em curso.

Marinho Pinto, por outro lado, está sempre de língua afiada. Mas quando toca ao primeiro-ministro, o animal feroz também passa a português suave (Público). Por que razão?

04/03/2010

A proposta de Rangel

A proposta de Paulo Rangel para a criação de um Ministério do Planeamento, passando os presidentes das CCDR – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional a fazer parte do Governo, na qualidade de secretários de Estado, configura mais uma proposta cosmética e contribui em nada para o desenvolvimento regional.

Os diversos governos vão manifestando tendência de regionalizar sem regionalizar, adiando-se, novamente, um debate já feito e cuja conclusão é o resultado do referendo de 1998.

Recentemente, em 2008, alterou-se a lei das associações de municípios, atribuindo-lhes mais competências, no sentido de “regionalizar” decisões políticas; as CCDR adquiriram novas competências e poderes no âmbito da gestão do QREN (bem como as associações de municípios), numa lógica de “regionalizar” a gestão dos fundos.

A subsidiariedade é um princípio consagrado na lei, e que faz todo o sentido. Contudo, o próprio se consubstancia em atribuir competências a organismos hierarquicamente inferiores do Estado, se estes reunirem melhores condições para a sua execução que os de ordem superior.

É verdade que as CCDR vivem na confusão. Mas a solução não é dar aos seus presidentes o lugar de secretários de Estado. E isso não se enfia tudo num Ministério do Planeamento e fica resolvido o problema. Aliás, nesse aspecto o Ministério do Ambiente (que tem a tutela das cidades e ordenamento), tem feito um trabalho ao melhor nível – basta visitar os seus sites e subsites para o perceber.

A proposta de Rangel vai mais longe e pretende que sejam estes os secretários de Estado da Administração Local. Ou seja, os Municípios do Centro têm um secretário de Estado da Administração Local, os do Alentejo outro, e por aí fora. E a Direcção Geral das Autarquias Locais que responde, actualmente, ao secretário de Estado da Administração Local? A fiscalização da DGAL passa a ser tutelada no Centro pelo secretário de Estado fulano e no Alentejo pelo sicrano? Os métodos, critérios e objectivos da fiscalização serão os mesmos?

As CCDR são instrumentos na hierarquia do Estado para a prossecução de objectos de politica regional. Agregam contributos, estabelecem pontes com os municípios, implementam políticas, propõe medidas de politica aos organismos competentes, etc. A politica regional não pode ser pensada por região, perigando, dessa forma, a coesão nacional. Os mais desenvolvidos teriam sempre vantagem em relação aos mais fracos. O argumento de Paulo Rangel sobre a importância do binómio CCDR/municípios é perigoso. As CCDR são estruturas onde o jogo político-partidário é já uma realidade. A tutela dos municípios pelas CCDR só agravaria essa tendência.

As CCDR são, sem dúvida, fundamentais. Devem, ao contrário do que pensa Paulo Rangel, ser reforçadas nas suas competências técnicas e não as de ordem política. Devem ser isentas e independentes em relação ao mapa político das suas zonas de influência e ter a capacidade de passar à prática as orientações de política regional – grande parte destas emanadas de Bruxelas, adaptadas às realidades nacionais, em linha com as restantes macro orientações de política, e executadas regionalmente.

O desenvolvimento regional faz-se no terreno. As medidas de política não têm forçosamente de ser pensadas regionalmente. E, no nosso País, equilibrado na distribuição de caudilhos, esse cenário poderia ser, no mínimo, catastrófico.

03/03/2010

Os bispos portugueses atiraram o barro à parede: era simpático da parte do Governo decretar tolerância de ponto para os portugueses poderem acompanhar a visita do papa a Portugal.

Partindo do princípio de que isto não é uma brincadeira da Lusa, vejamos: Portugal não é um Estado laico? Os portugueses que querem muito ir ver o papa não poderão ir no gozo das suas férias? E se em vez da visita do papa, fosse a visita do chefe de uma outra confissão? Como reagiria a Igreja Católica a um pedido semelhante?

Gosto dos feriados em geral, mas vou-me insurgindo com os feriados religiosos. Quantas pessoas sabem, ao certo, o significado das datas do Corpo de Deus, de Todos os Santos, do dia da Assunção ou da Imaculada Conceição? Nesse dia, quantos portugueses cumprem a tradição religiosa? Quantos católicos a cumprem?

Os bispos, que a espaços se preocupam com a pobreza, com a degradação social, e que estão sempre de mão estendida para redistribuir donativos, que vão criticando e enviando recados ao Estado, fazem parte de uma organização que é ela própria um Estado, aliás, uma instituição cuja vida é feita de ostentação.

Sem demagogia. Estamos nós em situação de decretar esta tolerância? Talvez. Provavelmente tudo o que nos resta é a fé.

02/03/2010

Agora é nada

Aquilo antes era uma fábrica de cortiça. Havia muitas por aqui. Tinha um portão vermelho escuro. Provavelmente devido à minha pouca idade, guardei memória daquele mundo murado. Tudo me parecia grande. Sobretudo o portão.

O cheiro da caldeira onde se cozia a cortiça. Não consigo reproduzir, em mim, esse cheiro. Mas a sua lembrança vaga, desperta-me qualquer coisa que o procura de novo. Ia ali com o meu vizinho, cujo pai era dono da fábrica. Era criança, brincava ali.

Agora, aquele espaço é nada. Esteve ali uma superfície comercial. E agora não é nada. Serão prédios, com certeza. Dois, três, quatro andares. Garagens em baixo, talvez lojas. Não cheira a cortiça, como outrora. Não me lembro se aquilo era grande, se eu era pequeno. Não interessa. Gostava de ouvir outra vez o ranger do portão vermelho escuro, de entrar e de ficar que tempos a olhar para a boca da caldeira, a cheirar a humidade quente da cortiça cozida.

Não mais sentirei o cheiro e a humidade doce da cortiça. Não há portão vermelho escuro, nem vizinho que me leve pela mão. Nem mundos murados. Nem sei se ainda há cortiça.

Da minha língua…

Portugal está tão nublado que preciso de retrospectiva para o perceber. João Paulo Guerra, jornalista do Diário Económico, escreve há anos uma crónica da qual apenas conhecia excertos. E compilou o melhor da última década da sua crónica em “Diz que é uma espécie de democracia” (Oficina do Livro, 2009). As crónicas são hilariantes e tenho pena, agora, de as ter ignorado este tempo todo. E a esta distância ainda me parecem mais significativas.

No prefácio, escreve Batista-Bastos:

«Não peçam a João Paulo Guerra a cobardia da neutralidade, a passividade da escrita, a preguiça fatal da “independência”. Quando se usam as palavras toma-se partido».

Se ainda estivesse na faculdade, usaria esta frase como provocação ao professor Júlio Taborda, um apaixonado pela língua. E certamente concluiríamos: “Da minha língua vejo o mundo”.

01/03/2010

Premonições

Sismos – Haiti, Japão, Chile, etc. Uma tragédia na Madeira. Época de chuvas no mesmo Haiti onde morreram milhares às mãos da força bruta da Terra. Gente que morre de frio, nas cheias, vendavais por todo o lado…

O Planeta está descontente. Ou será uma premonição do juízo final?

Mar e mar, há ir e …

No mesmo dia em que se titula Confiança na Democracia Bate no Fundo (Público), há um outro título que diz: Jardim Admite Candidatar-se a Mais um Mandato (Público).

Uma desgraça nunca vem só.

26/02/2010

Madeira

Concordo que não é o momento para recriminar. Mas não aceito que não se possa falar de causas e de responsabilidades.

O Expresso mostra que o problema estava identificado. E que vinha sendo ignorado nos diversos instrumentos de ordenamento do território.

Se a Madeira fosse caso único, lamentávamos. Mas não é. O que é motivo de preocupação.

Liberdade de Imprensa

António José Saraiva, director do jornal Sol, vai hoje ao Parlamento, em sede de audição na Comissão Parlamentar de Ética, onde será questionado sobre alegadas pressões do Governo aos órgãos de comunicação social.

Estas inquirições são inúteis. Os resultados não passarão de um relatório inconsequente sobre a conduta do Governo. Não tenho a certeza de uma comissão de inquérito vir a ser mais virtuosa, porque na verdade a pressão sobre os órgãos de comunicação social é uma tentação de todos os que ocupam o poder.

Para já, assistimos a um desfolhar de estórias cujo maior contributo será um de dois: ou agrava a imagem já negativa que temos do Governo e do primeiro-ministro, ou vai branqueá-la. Bom, em relação à primeira hipótese, é escusado o esforço, porque os próprios se têm esmerado nesse sentido. Quanto à segunda, parece-me que as autoridades judiciais empreenderam as diligências necessárias.

Mário Crespo foi constrangedor. E temo que Saraiva nos proporcione algo semelhante.

25/02/2010

Mudar os partidos

Mudar os partidos. Mudar a democracia.

Surgiu um movimento. Não sei quem são, se são realmente independentes, se as intenções escritas correspondem aos objectivos.

Recrutar pessoas que queiram aderir massivamente aos partidos. A qualquer um. Cada qual escolhe o seu. A ideia é fomentar a militância e mudar a forma como os partidos funcionam. A entrada massiva de novos militantes, que exerçam a militância, pode ter impacto no caciquismo em que marinam todos os partidos. E, consequentemente, contribuir para uma melhor democracia - que bem precisamos.

Contudo, há que estar preparados. Uma vez lá dentro, há que, individualmente, cada qual, lutar tenazmente para resistir à perversa natureza humana. Haverá promessas, lugares para preencher, salários simpáticos para atribuir em empresas públicas e muitas oportunidades de afago ao ego.

Mas é indiscutível que enquanto não mudarmos os nossos hábitos em relãção ao exercício da nossa cidadania nada mudará. E a nossa democracia vai-se tornando neste lodo a que a assistimos dia-a-dia, impacientes, incrédulos, mas, ainda assim, confortavelmente sentados nas nossas poltronas.

http://mudarospartidos.blogspot.com/

Postigo

Diz o dicionário que Postigo é uma "Porta pequena em muralha para serventia de pouca monta (…) Tampa com que se fecham as vigias”.

Postigo é de onde se vê o que não se diz, ou dizendo diz-se sussurrando. De onde as velhas olham, espreitam, vigiam. Seguem para dentro. Remoem. Do postigo sussurram o olhado, espalham as novas, apregoam. Do postigo se espreita, desconfiando, em descoberta do manusear seco das aldrabas.

O postigo não é uma janela. É de serventia a pouca monta. No Alentejo, um postigo para a praça é uma janela para o mundo. E também um confessionário. Sussurros.