26/03/2010

Saudade

E se ouvirmos isto?

E se ouvirmos, só ouvir? Se pensarmos na Sé Velha, na Rua de Sub-ripas? Na Torre de Anto? Na Via Latina? Na Cabra? No Quebra-Costas? No Parque, à beira Mondego, nas noites ébrias de Maio, no traje incómodo e incansável?

Há uma Coimbra que se impregna na nossa pele. Uma cidade de sensações que não mais nos larga, que é alma, é gente para sempre. É um tempo vivido. Fica a Diligência, as baladas de trovão, as sangrias, o escuro fumegado daquela casa.

Fica. Sempre. Jamais haverá outra Coimbra senão a nossa. Cada qual vive e constrói, dentro, a sua. Jamais haverá 20 anos, jamais haverá noites que são manhã. E livros lambidos e exames sem importância.

Porque Coimbra é aquilo ali na encosta. Casas velhas apinhadas. É cinzento e castanho. É uma lágrima que se solta sem razão.

Lobo Antunes

Há quatro ou cinco anos, tentei ler a Memória de Elefante. E, na altura, foi uma experiência frustrada. Abandonei. Não sei bem porquê. Mas as crónicas, da Visão, davam-me prazer. Aquela escrita tem uma textura que não permite dispersão. E transporta-me para um imaginário muitíssimo rico. Assim, e apesar de algum medo, repesquei a Memória de Elefante.

Há muito que um livro não me dava tanto gozo. Vou a pouco mais de meio e já estou com pena de estar quase a acabar.

24/03/2010

Ousadias

A par das audições de comissão de ética, que decorrem sem nenhuma surpresa e demonstram relevância duvidosa, vai avançar a comissão de inquérito.

Tudo bem. A comissão de inquérito pode ser esclarecedora, muito embora esteja em crer que ninguém vai dizer mais do que disse na comissão de ética.

Surpresa das surpresas é incluir na listagens de personalidades a inquirir Pinto Monteiro, uma série de magistrados e o primeiro-ministro. O PGR e os magistrados, num Estado onde existe separação de poderes, devem ser protegidos deste circo, ou perde-se mesmo o pudor na intromissão da política na justiça e sobre a independência desta. Se bem que existem dúvidas de fundo sobre o processo em si.

O primeiro-ministro, mesmo que às vezes mais pareça um bebé chorão (a entrevista ao JN foi um lamento lamentável, sobretudo a 1º parte), é uma figura de Estado. Era escusado entrar a matar. Mesmo porque a sua inquirição deve ficar para o fim. Decorridas as principais inquirições, havendo matéria, convocava-se o homem.

E o PS e o PSD deviam ter mais cautela. Alegadamente o nosso sistema democrático precisa destes dois partidos para coluna vertebral. A troca de argumentos de ontem, na comissão de inquérito, demonstra grande insegurança dos deputados. Isto pode ser o princípio de qualquer coisa imprevisível.

22/03/2010

Desequilíbrios

Um estudo do Fundo da População das Nações Unidas, de 2007, alertava para a tendência instalada de concentração da população europeia nas grandes cidades. Lisboa não é excepção. O relatório advertia, também, que em 2008 metade da população mundial viveria em cidades.

Caso a tendência de confirme, no espaço de uma geração o número de pessoas a viver em cidades duplicará e muitos dos novos habitantes serão pobres. O mesmo relatório afirma que as cidades não estão preparadas para responder a este fluxo.

A situação é grave, porque acontecerá sem que nos apercebamos do que realmente se está a passar. O abandono dos meios rurais e, até, das pequenas cidades e vilas, bem como a consequente pressão que se exercerá nos territórios de concentração, causa e causará desequilíbrios ambientais, sociais e económicos. E mostra, como refere o documento, que as políticas de desenvolvimento do território falharam e continuam a falhar, pelo que as Nações Unidas apelam para medidas urgentes.

Pode parecer fantasioso e até uma preocupação de importância relativa. Contudo, não o é. Quem estudar com alguma atenção a matriz da política regional europeia entenderá que esta é uma preocupação da União Europeia. Olhando para o QREN 2007-2013, entende-se que a coesão passa, em muito, pelo esforço de manter estes equilíbrios. O documento Cohesion Policy 2007-13 – National Strategic Reference Frameworks, onde podemos comparar as prioridades de investimento de fundos comunitário nos diversos países, mostra que esta é uma preocupação central. E daí existirem vários níveis de desenvolvimento das regiões e consequentes níveis de financiamento (Convergência, Competitividade e Emprego, e subcategorias respectivas).

Mas, pelo menos em Portugal, a execução do QREN é muito baixa. E, como vamos a meio do quadro e executámos pouco, como a União avalia a execução com base na execução financeira (leia-se dinheiro gasto), vamos desbaratar o que existe no sentido de conseguirmos uma taxa de execução que não nos envergonhe. E isto é, ainda, mais preocupante, porque há aqui uma janela temporal cheia de oportunidades. Se o problema não for encarado com seriedade, pelo menos Portugal deparar-se-á com dificuldades imensas no futuro. E não há PEC que nos salve. Porque estes movimentos são silenciosos e irreversíveis. Ou as medidas de política surtem resultados por antecipação, preventivamente, ou será muito difícil lidar com o problema.

Divisão do território

Quando se pensa em resolver problemas estruturais do País, passa-se sempre ao lado de uma questão. A divisão administrativa. E quando se fala nela é para aventar a possibilidade da regionalização.

Portugal tem 4260 freguesias e 308 municípios, 18 distritos. 92 mil quilómetros quadrados e uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes. Existem municípios e freguesias muito populosos e outros muito desertificados.

Mais: os governos civis, por distrito. Uma aberração. Fariam sentido, noutros tempos, quando não existiam telemóveis, boas estradas e bons carros, helicópteros e aeródromos, internet e sistemas integrados de gestão, quando o Governo podia não conseguir estar presente num distrito longínquo numa situação social ou política grave, calamidades, etc.

Existem partidos, como o MMS, que têm no seu programa a redução do número de municípios. Não tenho opinião formada sobre o assunto, porque não encontro literatura sobre isto. Mas gostava de perceber melhor a fundamentação desta divisão e a fundamentação para a sua alteração. Como pergunta de partida sugeria: A actual divisão administrativa do País contribui em que medida para o desenvolvimento regional?

À luz das teorias do “bottom-up”, esta configuração do território deve, obrigatoriamente, revelar um contributo definitivo para o desenvolvimento regional. Ou então, andamos, há muito, a fazer tudo errado. Um estudo, possivelmente recorrendo à econometria, dar-nos-ia indicadores de análise interessantes e grande relevo.

20/03/2010

Parlamento dos pequenitos

Mas que raio foi aquilo, ontem, no Parlamento? Jaime Gama passou um mau bocado. Qualquer dia, leva uma daquelas canas como a minha professora da primária tinha, com a qual nos arriava nos falhanços da tábua ou pelas insubordinações criançolas.

Se calhar, em vez de a Assembleia ter investido naqueles computadores indiscretos, devia ter adquirido um sistema avançado tendo em vista a punição de deputados birrentos e de secretários de Estado mal habituados às disposições regimentais.

19/03/2010

Esperança

Coisas simples. Às vezes são as coisas simples que nos enchem. Não há muito tempo, ao acaso, descobri uma dessas coisas simples que têm a capacidade de nos transportar a outro lugar, de nos deixar em êxtase.

Não é uma orquestra. Não foi no S. Carlos. É uma tuna.

Não é um coral conceituado e que corre o mundo em digressão. Não é um cantor lírico. É o Pedro Barroso.

Estupidamente tinha a versão original, em casa, num daqueles discos que compramos na esperança de completar a obra de alguém que admiramos. E nunca a tinha ouvido.

Acho arrepiante. Pela simplicidade. Gosto mais, sempre, das versões ao vivo. Das imperfeições, das pequenas desafinações, das entradas fora de tempo. Dos despropósitos. Da respiração da música e dos músicos.

Isto foi uma descoberta feliz.

16/03/2010

Economia

Ainda sobre o post anterior. Estado e economia. O País não é empreendedor. Os empresários estão habituados a viver à sombra de subsídios e de outros expedientes, em vez de fazerem seguros. Querem apoios paternalistas e repudiam o risco, inerente ao conceito de empresa.

Tudo bem. Podemos ter leis laborais rígidas, em comparação com a maioria dos europeus. E impostos à farta. Mas nenhum empreendedor suporta a burocracia, o pequeno poder e, sobretudo, a insegurança de um sistema judicial que pode assassinar qualquer audácia empreendedora.

A economia precisa de justiça. Célere, rápida, certeira. Justiça sem floreados. E de um Estado sério, que cumpra as regras, mas sem criar entraves burocratas desnecessários. Com justiça atraem-se bons investimentos. Com a nossa justiça facilita-se não apenas a corrupção, como o mau investimento. Quando lhes descobrimos a careca eles já estão noutro qualquer paraíso judicial, onde a bandalheira permite que um processo ande, por aí, uma década.

A burocracia ajuda à festa. Digam-me um caso em que a burocracia inverteu um processo pouco transparente. Acontece o contrário. Facilita a escuridão. Papéis e mais papéis. São aos montes nas repartições. Da última vez que fui finanças fiquei parvo. Já se faz tudo no portal das finanças, mas aquilo parecia a Torre do Tombo depois de um tufão. E corre-se de balcão em balcão. A modernização dos serviços não resolve nada, porque o esquema mental é o mesmo: burocrata, debochado, cheio de manhas e de papelinhos inúteis.

Pode começar-se por algum lado. Pode começar-se pela justiça. Pela desburocratização e eficiência dos serviços. Em paralelo, disciplinar empresários e o mercado de trabalho, adaptando ambos a uma realidade que mudou e continua a mudar. Mas flexibilizar sem justiça, sem uma visão moderna do papel do Estado, também não é solução nenhuma.

Barrigada

Andei convencido estes anos todos que era de esquerda. Sem partido, sem fundamentalismo. Os últimos episódios da série B em que se transformou Portugal têm-me levado a fazer perguntas que, antes, não havia formulado.

A direita diz que há muito Estado. Concordo. Existem mais de 4 mil freguesias, 308 municípios, 18 governadores civis. Estes senhores (os governadores), meio bafientos e fazer lembrar o caciquismo do Estado Novo, servem exactamente para o quê? O que é que eles fazem que não podia ser feito pelos municípios ou pela Administração Central? Direcções regionais por todo o lado, vezes muitos serviços e mais serviços e uma multiplicidade de organismos e outros tantos burocratas. Tudo em pouco mais de 92 mil quilómetros quadrados e para uns 10 milhões de sujeitos.

Existe muito Estado e pouca economia. O Estado deve ter uma palavra a dizer sobre sectores estratégicos: comunicações, energia, transportes, resíduos, água, etc. Mas o Estado não consegue dizer quase nada de jeito, porque numa economia quase inexistente como a nossa, em que tudo gira à volta do Estado (leia-se Governo), têm de se fazer um fretes a umas empresas (malta amiga) e não prejudicar as campanhas eleitorais futuras, cujo financiamento é sempre um problema, cuja solução tem como protagonistas uns senhores que o Estado nomeia para tomarem conta do mercado.

Existe muito Estado. E pouca economia. Mas o cerne da questão não está na barrigada de Estado que Portugal apanhou, está na indigestão causada pela politicazinha de trazer por casa. As estruturas do Estado estão apinhadas de boys em exercício, de boys na prateleira (à espera da alternância governativa), de listas de espera de boys que lá chegarão: aos serviços, às empresas, às consultorias, aos gabinetes de apoio, etc.

15/03/2010

Sol

Sou alentejano. É o Sol que me regula o humor. Não gosto de chuva, não gosto de tempo nublado, nem de frio, nem de lareiras e aquecedores, ar condicionado quente, nem de noites que comecem à tarde. Compreendo muito bem a minha tartaruga, Natália, que passou o Inverno a tentar hibernar. No Inverno só me apetece dormir.

No Verão também. Mas, no Verão, os dias são grandes. Gosto de acordar tarde, gozar o pino do Sol, levar o dia noite adentro. Ficar acordado até tarde. As angústias são menos profundas, a música sabe melhor ao Sol, os jornais trazem noticias melhores, os romances têm mais amor e a literatura é mais densa.

Mesmo que chova amanhã, no dia a seguir está Sol outra vez. E o Alentejo cheira a campo. Está tudo verde, dá gozo andar de carro pelas estradas esburacadas, olhar as flores, atravessar a serra. Está Sol e o Alentejo é Alentejo outra vez.

PPD/PSD

Tive coisas mais interessantes para fazer durante o fim-de-semana que passar dois dias, colado à televisão, a acompanhar o congresso de Mafra.

Propositadamente, vi poucas notícias sobre o assunto. Primeiro, porque os congressos, por norma, são uns encontros de comadres bem arranjadas, cujo objectivo é vociferar para os holofotes, gravar as respectivas emissões televisivas e desfrutarem das imagens até ao próximo congresso; segundo, o PPD não me merece assim tanta atenção, porque sendo um dos dois grandes partidos, fazendo parte do tal arco da governabilidade (etc…), há muito que parece um colégio daqueles meninos queques, que não se sujam no recreio, mas são umas pestes de falta de preceitos.

Contudo, uma das notícias que apanhei deixou-se absolutamente em choque. O PPD/PSD aprovou uma alteração estatutária que sanciona, até com expulsão, os militantes que digam mal da liderança ou das linhas orientadoras do partido 60 dias antes das eleições.

E isto é do arco da governação? Vai na volta, Santana Lopes ainda chega ao Governo outra vez e os jornais também passam a não poder dizer mal do Governo antes das eleições. Ah, desculpem, parece que isso já é assim.

12/03/2010

Boys

Teixeira dos Santos cometeu um erro imperdoável. Pessoalmente, acho discutível a pertinência da divisão administrativa em freguesias. Por motivos que não importa aqui explorar agora. E, até a actual configuração dos municípios, 308 ao todo, é questionável. Em algumas coisas somos um País em grande.

Mas tenho a certeza de duas coisas: os presidentes de Junta de Freguesia são eleitos pelo povo, como todos os autarcas e como os deputados; os membros do Governo são uma escolha indirecta, uma vez que para integrar o Governo não têm de, obrigatoriamente, estar eleitos no Parlamento. Teoricamente, não faz sentido em democracia. Sublinho o teoricamente (nada de confusões).

Concluindo: os autarcas (membros dos executivos e assembleias municipais e de freguesia), bem como os deputados da Nação são eleitos pelo povo. Os membros do Governo podem-no ser ou não. Podem ser escolhidos pelo partido mais votado nas eleições legislativas. Sem que os seus nomes sejam apresentados antes da eleição.

E os boys são os das juntas?

11/03/2010

Trovoadas

Portugal vive de uma agenda em dois ciclos. Há muito que é assim. Crise e eleições. Aprovado o orçamento, apresentado o PEC, a agenda nacional passará, necessariamente, a ser marcada pelas próximas eleições. Presidenciais.

Cavaco Silva manterá o tabu sobre a recandidatura, quando é certo que se apresentará a um segundo mandato. A maior das incógnitas reside no Rato. Sócrates terá sempre um problema: se apoiar Alegre terá de o explicar à opinião pública e ao partido, se não apoiar tem de se explicar na mesma. Certo é que as candidaturas da cidadania, como Alegre em 2005 e como se apresenta Fernando Nobre, dificilmente mobilizarão em 2010. Alegre, com ou sem partido, cometeu erros no arranque, deu espaço do Bloco para se colar e é notória a sua expectativa em relação ao PS; a Fernando Nobre (e posso estar enganado) ninguém lhe retira o mérito, pessoal e profissional, mas está longe de ter um discurso mobilizador.

O segundo semestre de 2010 seria uma oportunidade de o Governo aliviar sobre si a pressão das crises. Contudo, parece que as presidenciais não serão bonança entre trovoadas.

10/03/2010

Liberdade de Imprensa

A Comissão de Ética continua a desfolhar estórias da liberdade de imprensa. Miguel Sousa Tavares, no seu Sinais de Fogo da semana passada, fez uma observação interessante. Os jornalistas, incluindo os directores de jornais, sempre sofreram pressões. É normal. Cada um lida com isso da forma que sabe e pode.

Mais grave é quando as pressões são exercidas via administração dos grupos de comunicação. Podendo o ministro fulano ou beltrano ser importante, é o meu patrão que me dá emprego e paga o salário. Diz Sousa Tavares que a pressão do patrão tem um efeito intimidatório muito mais real sobre o jornalista que o de um agente político.

E acrescento eu: sobretudo quando o emprego dos jornalistas é precário, a recibo verde ou menos ortodoxo que isso, mal pago e instável.

06/03/2010

Uns e outros

O Governo apresenta hoje o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). Apesar de alguma expectativa em relação às medidas (vamos ver o que é coragem política?), não consigo deixar de sentir algum desprezo pelo que aí vem e pelo discurso que se prevê. Sabemos, como sempre sabemos, que a saída da crise vai custar mais a uns que a outros. E sabemos quem são uns e outros.

E pior que tudo. Sabemos que vivemos, constantemente, neste ciclo. A crise, a recuperação, um nadinha de fôlego e nova crise. Foi assim nos últimos 30 anos, não deixará de o ser agora. Sobretudo porque esta crise devia ter-nos ensinado alguma coisa, pela sua génese e dimensão, e creio que não retirámos dela nenhum proveito.

Portanto a ideia é resignarmo-nos a viver os próximos anos de forma abnegada em nome da necessária recuperação, para numa qualquer altura de eleições legislativas nos venderem a ideia de que estamos, finalmente, “porreiros pá” e a seguir à tomada de posse do governo eleito voltarmos ao discurso da “tanga”.

Há uns que se lixam sempre mais que os outros. Basta ver os lucros das grandes empresas, mesmo daquelas que durante a crise aproveitaram para fazer cortes e contribuir para os mais de 10% de desemprego.

05/03/2010

Justiça?

Segundo o Público, duas jornalistas do jornal Sol foram constituídas arguidas no âmbito de inquérito aberto pelo Procurador-Geral da República às fugas ao segredo de justiça no processo Face Oculta.

Não sei se percebi bem a questão, uma vez que as notícias ainda são escassas. De qualquer modo há três notas a assinalar desde já:

- As fugas ao segredo de justiça não se encontram nem nos jornalistas nem nos jornais. A investigar fugas há que investigar os vários agentes que têm acesso aos processos, desde os funcionários judiciais, aos magistrados, juízes, advogados e arguidos;

- Se percebi bem, a coisa está-se a fazer ao contrário, naquilo que pode ser uma manobra persecutória a jornalistas incómodos, o que vindo deste PGR não me causa estranheza, dada a sua conduta em processos mediáticos, e neste em particular;

- Se o PGR conta, assim, levantar o segredo profissional dos jornalistas em relação às fontes, é provável que a operação não corra conforme desejado, vindo apenas reforçar duas evidências cada vez mais claras aos olhos dos portugueses: a Justiça (e o Ministério Público em particular) está altamente politizada e permite de tudo um pouco, menos que se toque em figuras mediáticas (Casa Pia, Moderna, Face Oculta, Independente, etc, etc, etc); a Justiça não dá conta dos seus problemas internos e conta resolvê-los recorrendo a bodes expiatórios, sendo a classe jornalística dos melhores até hoje encontrados, sobretudo porque os problemas com os media, ainda que agravando a situação política, desviam a atenção dos jornais de outros temas, eventualmente ainda menos convenientes que um escândalo já em curso.

Marinho Pinto, por outro lado, está sempre de língua afiada. Mas quando toca ao primeiro-ministro, o animal feroz também passa a português suave (Público). Por que razão?

04/03/2010

A proposta de Rangel

A proposta de Paulo Rangel para a criação de um Ministério do Planeamento, passando os presidentes das CCDR – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional a fazer parte do Governo, na qualidade de secretários de Estado, configura mais uma proposta cosmética e contribui em nada para o desenvolvimento regional.

Os diversos governos vão manifestando tendência de regionalizar sem regionalizar, adiando-se, novamente, um debate já feito e cuja conclusão é o resultado do referendo de 1998.

Recentemente, em 2008, alterou-se a lei das associações de municípios, atribuindo-lhes mais competências, no sentido de “regionalizar” decisões políticas; as CCDR adquiriram novas competências e poderes no âmbito da gestão do QREN (bem como as associações de municípios), numa lógica de “regionalizar” a gestão dos fundos.

A subsidiariedade é um princípio consagrado na lei, e que faz todo o sentido. Contudo, o próprio se consubstancia em atribuir competências a organismos hierarquicamente inferiores do Estado, se estes reunirem melhores condições para a sua execução que os de ordem superior.

É verdade que as CCDR vivem na confusão. Mas a solução não é dar aos seus presidentes o lugar de secretários de Estado. E isso não se enfia tudo num Ministério do Planeamento e fica resolvido o problema. Aliás, nesse aspecto o Ministério do Ambiente (que tem a tutela das cidades e ordenamento), tem feito um trabalho ao melhor nível – basta visitar os seus sites e subsites para o perceber.

A proposta de Rangel vai mais longe e pretende que sejam estes os secretários de Estado da Administração Local. Ou seja, os Municípios do Centro têm um secretário de Estado da Administração Local, os do Alentejo outro, e por aí fora. E a Direcção Geral das Autarquias Locais que responde, actualmente, ao secretário de Estado da Administração Local? A fiscalização da DGAL passa a ser tutelada no Centro pelo secretário de Estado fulano e no Alentejo pelo sicrano? Os métodos, critérios e objectivos da fiscalização serão os mesmos?

As CCDR são instrumentos na hierarquia do Estado para a prossecução de objectos de politica regional. Agregam contributos, estabelecem pontes com os municípios, implementam políticas, propõe medidas de politica aos organismos competentes, etc. A politica regional não pode ser pensada por região, perigando, dessa forma, a coesão nacional. Os mais desenvolvidos teriam sempre vantagem em relação aos mais fracos. O argumento de Paulo Rangel sobre a importância do binómio CCDR/municípios é perigoso. As CCDR são estruturas onde o jogo político-partidário é já uma realidade. A tutela dos municípios pelas CCDR só agravaria essa tendência.

As CCDR são, sem dúvida, fundamentais. Devem, ao contrário do que pensa Paulo Rangel, ser reforçadas nas suas competências técnicas e não as de ordem política. Devem ser isentas e independentes em relação ao mapa político das suas zonas de influência e ter a capacidade de passar à prática as orientações de política regional – grande parte destas emanadas de Bruxelas, adaptadas às realidades nacionais, em linha com as restantes macro orientações de política, e executadas regionalmente.

O desenvolvimento regional faz-se no terreno. As medidas de política não têm forçosamente de ser pensadas regionalmente. E, no nosso País, equilibrado na distribuição de caudilhos, esse cenário poderia ser, no mínimo, catastrófico.

03/03/2010

Os bispos portugueses atiraram o barro à parede: era simpático da parte do Governo decretar tolerância de ponto para os portugueses poderem acompanhar a visita do papa a Portugal.

Partindo do princípio de que isto não é uma brincadeira da Lusa, vejamos: Portugal não é um Estado laico? Os portugueses que querem muito ir ver o papa não poderão ir no gozo das suas férias? E se em vez da visita do papa, fosse a visita do chefe de uma outra confissão? Como reagiria a Igreja Católica a um pedido semelhante?

Gosto dos feriados em geral, mas vou-me insurgindo com os feriados religiosos. Quantas pessoas sabem, ao certo, o significado das datas do Corpo de Deus, de Todos os Santos, do dia da Assunção ou da Imaculada Conceição? Nesse dia, quantos portugueses cumprem a tradição religiosa? Quantos católicos a cumprem?

Os bispos, que a espaços se preocupam com a pobreza, com a degradação social, e que estão sempre de mão estendida para redistribuir donativos, que vão criticando e enviando recados ao Estado, fazem parte de uma organização que é ela própria um Estado, aliás, uma instituição cuja vida é feita de ostentação.

Sem demagogia. Estamos nós em situação de decretar esta tolerância? Talvez. Provavelmente tudo o que nos resta é a fé.

02/03/2010

Agora é nada

Aquilo antes era uma fábrica de cortiça. Havia muitas por aqui. Tinha um portão vermelho escuro. Provavelmente devido à minha pouca idade, guardei memória daquele mundo murado. Tudo me parecia grande. Sobretudo o portão.

O cheiro da caldeira onde se cozia a cortiça. Não consigo reproduzir, em mim, esse cheiro. Mas a sua lembrança vaga, desperta-me qualquer coisa que o procura de novo. Ia ali com o meu vizinho, cujo pai era dono da fábrica. Era criança, brincava ali.

Agora, aquele espaço é nada. Esteve ali uma superfície comercial. E agora não é nada. Serão prédios, com certeza. Dois, três, quatro andares. Garagens em baixo, talvez lojas. Não cheira a cortiça, como outrora. Não me lembro se aquilo era grande, se eu era pequeno. Não interessa. Gostava de ouvir outra vez o ranger do portão vermelho escuro, de entrar e de ficar que tempos a olhar para a boca da caldeira, a cheirar a humidade quente da cortiça cozida.

Não mais sentirei o cheiro e a humidade doce da cortiça. Não há portão vermelho escuro, nem vizinho que me leve pela mão. Nem mundos murados. Nem sei se ainda há cortiça.

Da minha língua…

Portugal está tão nublado que preciso de retrospectiva para o perceber. João Paulo Guerra, jornalista do Diário Económico, escreve há anos uma crónica da qual apenas conhecia excertos. E compilou o melhor da última década da sua crónica em “Diz que é uma espécie de democracia” (Oficina do Livro, 2009). As crónicas são hilariantes e tenho pena, agora, de as ter ignorado este tempo todo. E a esta distância ainda me parecem mais significativas.

No prefácio, escreve Batista-Bastos:

«Não peçam a João Paulo Guerra a cobardia da neutralidade, a passividade da escrita, a preguiça fatal da “independência”. Quando se usam as palavras toma-se partido».

Se ainda estivesse na faculdade, usaria esta frase como provocação ao professor Júlio Taborda, um apaixonado pela língua. E certamente concluiríamos: “Da minha língua vejo o mundo”.

01/03/2010

Premonições

Sismos – Haiti, Japão, Chile, etc. Uma tragédia na Madeira. Época de chuvas no mesmo Haiti onde morreram milhares às mãos da força bruta da Terra. Gente que morre de frio, nas cheias, vendavais por todo o lado…

O Planeta está descontente. Ou será uma premonição do juízo final?

Mar e mar, há ir e …

No mesmo dia em que se titula Confiança na Democracia Bate no Fundo (Público), há um outro título que diz: Jardim Admite Candidatar-se a Mais um Mandato (Público).

Uma desgraça nunca vem só.