26/04/2010

Abril II

O 25 de Abril é, para mim, o feriado mais importante do calendário. Acredito que nasci fora de tempo, e que devia ter em 74 a idade que tenho hoje. Pelo romantismo das causas. No que quer que fosse, havia um acreditar que hoje parece inexistente.

Por norma, nesta altura do ano, faço o périplo dos cantores de intervenção. Perdi a conta às vezes que fui atrás do Pedro Barroso ou do Sérgio Godinho (que este ano soma mais um ponto).

Mas foi com o Manuel Freire, em Coimbra, há anos, que me debulhei a chorar como se não existisse amanhã. Porque se tratava, na magnífica Via Latina, de uma recriação dos chamados cantos livres, com muitos dos melhores cantores da altura. A “Pedro Filosofal” e a cumplicidade de todos se juntarem ao Manuel Freire no palco, uma reacção espontânea e emocionada do parco público existente na vastidão daquele pátio, fez daquele noite um momento único e inesquecível. E foi a primeira vez que vi o Manuel Freire ao vivo – o que apenas repeti uma vez.

22/04/2010

Abril

“O 25 de Abril «não conseguiu responder às aspirações justas e fundadas e aos interesses legítimos da maioria dos portugueses», suscitando a «situação perversa» de que o poder, enquanto «instituição» democraticamente eleita, «não funciona, porque a sociedade não sabe fazê-la funcionar de maneira correcta»”
Ramalho Eanes, Diário Digital

Aqui está. Abril não se cumpriu, não se cumpre. Não valem a pena discursos demagógicos, que me ficariam bem, mas cujo conteúdo era nada. A democracia não é perfeita. É feita de gente.

Hoje, tanto se fala da crise que resolvi ir à procura do FMI do José Mário Branco. Nunca o tinha ouvido, o que, confesso, em mim é estranho.

A vida, assim desfolhada, é uma confusão. Cada um por si.

20/04/2010

Outra dimensão

Tenho uma vizinha, aqui no centro da vila, que, ao que parece, não tem nem luz nem água canalizada em casa. Luz é seguro – não tem. A água é uma suspeita.

Faz serão em casa das vizinhas, com quem vê as novelas. Um dia numa, outro noutra, depois noutra. Quando saio com o cão, na última volta da noite, ali vai ela, embrulhada em xailes, a caminho de casa. Passa a roupa a ferro na casa das vizinhas. Compra comida já feita.

Estamos em 2010. Esta mulher, desempoeirada, metida na vida alheia, muito só, vive como viveram os meus avós até aos anos 70, sendo que estes estavam no campo e não no centro de uma vila com quase 10 mil habitantes.

Será um constrangimento financeiro? Ou hábito?

19/04/2010

Racionalização

Descobri, por mero acaso, que houve um tempo, em Portugal, em que existia o ministro da Qualidade de Vida. Entretanto, este digníssimo ministério desapareceu da nossa matriz governativa. Julgo, porque os nossos governantes perceberam que era absolutamente escusado insistir na tontaria de dedicar tempo e recursos na prossecução da qualidade de vida dos portugueses.

Ora, nesse sentido, não percebo porque é que o PEC não propõe medidas de racionalização ministerial, deixando de insistir em outras tontarias que, todos percebemos, há anos que nos consomem sem resultados à vista: justiça, emprego e segurança social, educação.

Sócrates teria feito um brilharete em Bruxelas.

Em pratos limpos

Às vezes partir a loiça toda é bom. Às vezes dá vontade de. Em Portugal, Jaime Gama jamais permitiria isto. Se calhar é populista. Inadequado. Desrespeitoso. É capaz de ser demais. Se for verdade, porque não? É melhor o nosso politicamente correcto, hipocrita e bacoco? Não sei. Mas que dá gosto uma mulher a por tudo em pratos limpos.

Passou-se há pouco tempo no Brasil.

16/04/2010

Interesse nacional

Maria José Morgado, aqui, parte do princípio de que os projecto PIN são susceptíveis de gerarem ilegalidades na fase de execução. E que os lugares de nomeação política fecham os olhos a isso.

Isto diz muito sobre o nosso sistema. E o pior é que a senhora é capaz de ter razão. Não fossem os PIN um mecanismo de saltar as burocracias impostas pelas exigências legais.

Só neste País

Voltou o Inverno. Pessoalmente atribuo responsabilidades à portugalidade, no seu pior sentido. Portugal é quase sempre Inverno. A meteorologia faz-nos a vontade.

O Governo não existe: transformou-se num grupo de gente que protagoniza e/ou comenta escândalos associados ao partido (e ao seu líder), aos quais se junta um grupo de fabulosos anónimos. Fabulosos porque ninguém dá por eles, o que é fabuloso, porque ser ministro e anónimo não é para qualquer um. Quando não há escândalos, há conspirações e movimentações políticas fora de cena acerca das presidenciais e pequena guerrilhas.

Novidades da governação? Zero. O que é bom. Pelo menos é sinal de que a crise não piorou. Os combustíveis aumentam? Sim. Mas o ministro, que por acaso não é completamente anónimo, diz que não percebe. O PEC é aprovado em Bruxelas e sucedem-se declarações sem interesse. Um não sei quantos ex-FMI diz que, pior que a Grécia, estamos como a Argentina.

No País do Inverno, daqui a nada vamos de férias ao sol, numa fugaz Primavera. Nem mais nem menos. Esquece-se. E em Setembro o mesmo de sempre.

14/04/2010

Ignorância

Os administradores da Taguspark vão ser acusados de corrupção passiva no caso da campanha de Figo, a qual terá sido contratada, alegadamente, em troca do apoio do jogador à campanha eleitoral das legislativas de Sócrates.

Figo fica de fora da acusação, uma vez que desconhecia que a Taguspark é uma empresa de capitais públicos.

Assim sendo, como foi possível estabelecer a relação entre a campanha e o apoio? Se Figo desconhecia, como é que aceitou a campanha como moeda de troca ao apoio?

Não há aqui qualquer coisa mal explicada?

13/04/2010

Presidenciais

António Vitorino defende que a posição do PS sobre a candidatura de Manuel Alegre – seja ela qual for – não pode demorar.

Manuel Alegre adiantou-se e deu espaço para que os seus inimigos internos ganhassem tempo. A candidatura de Fernando Nobre, com ou sem mão soarista, precipitou-se. E o PSD está completamente descansado, porque o natural é ter Cavaco, sendo esta uma candidatura com poder de, pura e simplesmente, aniquilar as restantes.

O PS parece não ter alternativa a Alegre. E isso é bom e mau para Alegre e é bom e mau para o PS. Se Alegre conseguisse a pujança de 2006. Duvido. Mas se conseguir, pode ser que, de forma inédita, um presidente em exercício tenha dificuldade em se reeleger. Era um bom sinal para a democracia. Odeio o unanimismo, o consenso geral, as maiorias esmagadoras, as coroações.

Além de que nutro simpatia por Alegre. E antipatia por Cavaco. O que é engraçado, porque na política, além da convicção, existe um factor irracional que nos move. É devido a essa irracionalidade que simpatizo com Alegre e antipatizo com Cavaco. Coisas da vida.

09/04/2010

La Maza

Mercedes Sosa foi, em vida, e será, eternamente, uma voz incontornável da América Latina. Uma voz da liberdade, de acreditar. Uma voz que deu voz a poetas silenciados de uma região sempre instável. O encontro de Mercedes Sosa com Shakira, ícone da pop mundial, é emocionante. Mostra que o incontornável o é sempre, independentemente das indústrias. Que Sosa é La Negra. Para sempre. E, sobretudo, mostra que a humildade de uma e de outra torna a música num ponto de encontro de gerações e de valores.

07/04/2010

Salganhada

Desde o início das audições na Comissão de Ética sobre liberdade de expressão que se percebeu a salganhada que ali se cozinhava.

Pais do Amaral e Emídio Rangel confirmam o que se tem passado para trás. Não consigo compreender que Pais do Amaral acredite que a TVI trabalhasse no sentido de derrubar Santana Lopes. Se isso aconteceu, Pais do Amaral é conivente por omissão.

Ou será isto, ainda, um qualquer ressentimento do caso Marcelo/TVI?

Emídio Rangel adopta, há tempo, uma postura de bem com o mundo mal com todos, como se apenas houvesse uma verdade, que é a sua. Isso vê-se nos comentários na RTP-N (não me lembro o nome do programa), onde faz uma defesa feroz de Sócrates. E viu-se ontem, com argumentos mais ou menos na mesma linha. E estranho esta conduta.

As suspeições que ali se levantam, conduzirão a conclusões? Duvido. Se a Comissão Parlamentar de Inquérito não clarificar o que se vai passando nas audições da Comissão de Ética, a dignidade do Parlamento e dos deputados fica tragicamente reduzida ao ridículo.

06/04/2010

Ordem

Em momentos de abstracção consigo maravilhar-me com tudo o que o Homem conseguiu. Atravessar estradas, palmilhar quilómetros ao lado de paisagens magníficas. Ter cidades e espaços, jardins, serras bem conservadas, rios e tanto mar. Tanta tecnologia, em tudo.

O Homem dominou parte da Natureza e transformou-a em utilidades para si, para o seu conforto, para a satisfação das suas necessidades. Para as mais básicas e para aquelas cuja complexidade não é passível de maravilhamentos.

E essa ordem é permanentemente atentada. Fragilizada. Todo o deslumbramento com as pequenas e as grandes coisas desmorona-se. A natureza humana é sólida de insatisfação. E essa inquietude deu grandes passos à Humanidade. E é a sua grande ameaça.