30/11/2010

Notas do dia

1. A execução do QREN, a nível europeu, não passou dos 10%, quando o período de programação é 2007-2013 e, portanto, já vamos para lá de metade do seu curso. Prova de que as economias estão frias, que não há liquidez para as comparticipações nacionais e de que de nada vale haver incentivos ao investimento se a economia estiver moribunda.

2. Quando as parcerias público-privadas se revelam um desastre financeiro nacional – o que só acontece em Portugal, noutros países são um grande sucesso e não buracos sem fundo – o Governo, que pondera congelar novas parcerias, faz o quê? Prepara a abertura de uma empresa estatal para gerir as (más) parcerias que fez e as que planeia fazer. Estas parcerias são assim em Portugal porque o Estado negoceia mal e porque a promiscuidade entre os grupos económicos e S. Bento é uma fonte de subsistência para alguns senhores. Esta gente devia perder uma noite a ler o livro que Carlos Moreno lançou recentemente sobre o tema.

3. O risco da dívida continua a subir. E o Citigroup junta-se às vozes que nos dão como insolventes. Será que ainda passamos um Natal descansados, ou as mensagens nas televisões trarão um novo pacote de austeridade com a chancela FMI?

Não escolha

Cavaco tem com ele os que dele disseram mal. Os que lhe chamaram ditador, os que o acharam autoritário, os que desconfiaram das suas políticas, os que o seu partido quis aniquilar.

Preside à sua comissão de honra de Cavaco o homem que Sá Carneiro se preparava para liquidar, o homem contra o qual lutou nos últimos meses da sua vida.

Manuel Alegre tem o PS a custo, com alguns históricos a tentar passar entre os pingos de chuva, despercebidos, quase invisíveis. Diz-se que perdeu apoios em relação a 2006. Aos que por lá andam, falta-lhes convicção.

Cada um escolhe o candidato que acha menos mau, numas eleições que são pessoais, onde em vez do seguidismo partidário deveria haver entrega apaixonada.

Esta pré-campanha é o retrato de democracia portuguesa, minada pelas manobras partidárias. Estas presidenciais parecem, neste momento, umas eleições moles e invertebradas.

28/11/2010

Flexível até quebrar

Há tempo que se insiste na ideia de inflexibilidade do mercado de trabalho nacional. Duas sugestões a respeito: o magnífico ensaio de Luciano Amaral sobre Economia Portuguesa, publicado pela FMMS, que sobre este tema é claro; a Visão desta semana traz um artigo interessante e compara 10 países.

Poucos, mas relevantes, factos: temos um salário mínimo baixíssimo (e ainda assim o nível salarial português, face à produtividade, é um problema); o prazo máximo de contrato a termo em Portugal é largo – 36 meses; pode-se despedir por extinção do posto de trabalho, justificação que dá para tudo; o nosso índice de rigidez das leis laborais é inferior ao de Espanha e próximo do de França – dados da OCDE.

Mesmo convivendo com esta alegada rigidez, Portugal tem um nível de precariedade muito superior à média europeia, o que se refere, em grande parte, a recibos verdes e falsos recibos verdes.

Ainda assim, a Corticeira Amorim, em 2009, despediu 195 trabalhadores, explicando que se tratava de uma medida preventiva em relação à crise global. Nesse ano teve mais de 2 milhões de lucro. Menos 8 milhões que em 2008, mas teve lucro. Significa isto, que a rigidez é um mito.

O problema da economia está na produtividade e, consequentemente, na sua capacidade competitiva. O que tem mais que ver com os empresário que com os trabalhadores. Alguém escreveu por este dias que temos de por os olhos na Autoeuropa: os nossos trabalhadores são bons em qualquer lado, menos em Portugal, onde apenas o são se geridos por estrangeiros.

Só mais uma nota: o conceito de empresa implica risco e os nossos empresários são avessos ao risco, o que em grande parte é culpa do Estado que permitiu que se vivesse à sua sombra e à custa de apoios e subsídios.

27/11/2010

Não há aviões em Beja

O Tribunal de Contas revela que o Aeroporto de Beja é um flop ainda antes de ser realmente um aeroporto. O que é de estranhar é que o TC estranhe que isto aconteça.

O Aeroporto de Beja, sendo a reconversão legítima de uma infra-estrutura que ficaria ao abandono, na realidade não tem absolutamente nenhuma utilidade e resultou do espírito expansionista dos pequenos regionalistas (que por sua vez imitam o Estado), que na sua tacanhez saloia acreditam que o futuro do Alentejo se encontra, exclusivamente, no turismo (que aparecerá em massa, numa enchente desenfreada), que podemos competir com Espanha e que a existência de infra-estruturas é o motor do desenvolvimento. Tanto não competimos com Espanha, que na agricultura alentejana eles nos ludibriam todos os dias, alugando propriedades apenas para usar as quotas de produção, ou seja, nem as cultivam.

Vamos por partes: existe um aeroporto em Faro, o Aeroporto da Ota passou para Alcochete e tanto Faro como Alcochete não são distantes de Beja (à escala aeroportuária). A juntar ao facto de que Beja tem más acessibilidades e uma fraquíssima rede de transportes: a A2 fica a uns bons quilómetros, o comboio é pré-histórico e de conexões fracas e o transporte colectivo rodoviário é mau e é uma opção pouco frequente para quem chega de avião. O número de turistas que virão para Alqueva não justifica um aeroporto e o Litoral Alentejano tem muito melhores acessibilidade a Alcochete ou Lisboa que a Beja.

Depois juntou-se o patético argumento da imprescindibilidade do aeroporto de Beja para o desenvolvimento do porto de Sines. Juntou-se a martelo, porque os arautos regionais estão convencidos que Beja esgotará a capacidade em voos turísticos. O transporte de mercadorias por avião só se efectua em último recurso, é caro e apenas pode crescer se o preço dos combustíveis baixar drasticamente. Por outro lado, as mercadorias de Sines têm de chegar à plataforma logística do Poceirão, pelo que ir a Beja só para justificar o aeroporto será um erro tremendo, com impactos sérios nos custos das obras da ferrovia. A juntar a isto há um imperativo: o porto de Sines só é competitivo se as mercadorias chegaram a Madrid em menos de 9 horas, o que só é possível de comboio e por uma linha a mais directa possível, passando no Poceirão, onde se encontra a plataforma logística.

Existem vários planos de ordenamento e de estratégia, europeus, ibéricos e nacionais onde esta ligação Sines-Madrid, por ferrovia, está contemplada, sendo o avião sempre subsidiário dessa opção. Também aqui o regionalismo bacoco tem desempenhado um papel importante, sendo, inclusivamente, responsável pelo congelamento, em 2009, do arranque o projecto ferroviário Sines-Madrid, que os autarcas e o Governo aprovaram no Plano Regional de Ordenamento do Território, mas que veio a ser contestando por argumentos de ordem municipal, em grave prejuízo do interesse nacional. O porto de Sines tem três significados: exportação, emprego (numa região deprimida), crescimento económico (regional e nacional). Para que isso se cumpra estão documentadas, técnica e politicamente, as necessidades. Adiar é adiar a competitividade. Ainda o ano passado, uma fábrica de automóveis declinou a instalação em Sines dada a ausência da linha ferroviária para Madrid. Menos investimento, menos exportações, menos emprego. E a movimentação de carga contentorizada tem um crescimento limitado à escala da capacidade de escoamento de Sines.

O aeroporto de Beja é a prova de que temos uma tendência expansionista que tem vindo a comprometer o futuro do País. Beja não passaria a ser um mega centro de negócios só porque tem um aeroporto. Não choveriam empresas ansiosas por estar pertinho dos aviões. O aeroporto é que poderia vir dar resposta a essas realidades, caso estas revelassem crescimento sustentado.

E isto é a prova de que a regionalização pode ser catastrófica em Portugal. Os interesses individuais, a ilusão e irresponsabilidade das lideranças políticas arrastam o Pais para uma situação extrema. Multiplicar as más lideranças é o mesmo que multiplicar aeroportos pelo número de regiões, de distritos e se nos descuidamos de concelhos.