17/05/2010

A arte do silêncio

Cavaco Silva fez mais uma comunicação que podia ter evitado. A ausência de consenso e as consequentes clivagens de que fala teriam menos impacto se o próprio se expressasse sem a solenidade de uma comunicação ao País.

É verdade que não é tema que justifique desviar a atenção daquilo que realmente interessa. Mas o próprio contribuiu para isso com esta mensagem.

O problema de Cavaco é ideológico, o que é compreensível e legítimo. Mas o PR deve ter consciência da sua posição no xadrez do sistema político e dizer que vetava mas não veta porque é inútil é, no mínimo, patético. Misturar aqui no meio a crise e o desemprego e etc e tal chega a ser jocoso. Porque é como mandar uma séria de recados sobre uma série de coisas e assumir: “Pronto, estou realmente aborrecido com isto, mas também já não posso fazer nada. Não vale a pena. Os gajos levam sempre a deles avante”.

Há três momentos do discurso que são de mau gosto, provocatórios e que não dignificam a figura do PR:
1. A alusão ao casamento como união entre homem e mulher. Ok, o tal parecer do Prof. Freitas do Amaral que sustenta a afirmação. Mas aqui não se trata de uma formalidade jurídica, é uma questão ideológica e, eventualmente, religiosa, às quais o PR deveria ser alheio;

2. A contabilização dos países que fizeram assim ou assado. O PR não tem nenhuma necessidade de fazer contas de merceeiro para sustentar a sua opinião, a menos que se sinta desconfortável no que defende;

3. Os dois últimos parágrafos da intervenção. Primeiro, a alusão à mensagem de Ano Novo, como confirmação da profecia; depois uma frase enigmática, quase ameaçadora. Por último, esta frase: “Há momentos na vida de um País em que a ética da responsabilidade tem de ser colocada acima das convicções pessoais de cada um “. Certíssimo, por isso mesmo esta mensagem era desnecessária.

E mais. Cavaco fez esta comunicação ao País, soleníssima, com dois propósitos: primeiro, justificar-se ao seu eleitorado, perto de entrar em pré-campanha, o que lhe fica mal; segundo, aproveitou para mandar outros recados, misturar as coisas, e mostrar que existe agravo, azedume ou descontentamento com a maioria parlamentar e/ou com o Governo, o que também lhe fica mal. Há atitudes que se admitem a um primeiro-ministro, mas das quais o PR se deve defender.

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