02/03/2010

Agora é nada

Aquilo antes era uma fábrica de cortiça. Havia muitas por aqui. Tinha um portão vermelho escuro. Provavelmente devido à minha pouca idade, guardei memória daquele mundo murado. Tudo me parecia grande. Sobretudo o portão.

O cheiro da caldeira onde se cozia a cortiça. Não consigo reproduzir, em mim, esse cheiro. Mas a sua lembrança vaga, desperta-me qualquer coisa que o procura de novo. Ia ali com o meu vizinho, cujo pai era dono da fábrica. Era criança, brincava ali.

Agora, aquele espaço é nada. Esteve ali uma superfície comercial. E agora não é nada. Serão prédios, com certeza. Dois, três, quatro andares. Garagens em baixo, talvez lojas. Não cheira a cortiça, como outrora. Não me lembro se aquilo era grande, se eu era pequeno. Não interessa. Gostava de ouvir outra vez o ranger do portão vermelho escuro, de entrar e de ficar que tempos a olhar para a boca da caldeira, a cheirar a humidade quente da cortiça cozida.

Não mais sentirei o cheiro e a humidade doce da cortiça. Não há portão vermelho escuro, nem vizinho que me leve pela mão. Nem mundos murados. Nem sei se ainda há cortiça.

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